1.Os benefícios da atenção
Todos os dias aprendemos, claro. A vida surpreende-nos e acrescenta-nos de conhecimento sobre a vida. Não entendo esse fenómeno como mero acaso. Parte-se sempre, como diriam (entre tantos) Tolentino Mendonça ou Caeiro, da atenção; mas depois é preciso que haja pasto em nós para essa avulsa semente dar flores ou frutos, e de estas deveniências gratamente se integrarem na paisagem universal do que doravante sabemos. Ontem, por exemplo, beneficiei de uma história contada pelo actor Ruy de Carvalho a Daniel Oliveira (no programa Alta Definição, da SIC); de uma reportagem com o escritor Howard Jakobson, vencedor do Booker Prize de 2010 (na RTP); e da leitura de umas trinta páginas (não mais porque a seguir dava o Real Madrid - Sporting Gijon na Sportv) do romance O Jogo das Contas de Vidro, de Hermann Hesse. Deixai que vos fale um pouco do que aprendi.
2. O Palhaço da Zona do Petit Palais
Conta Ruy de Carvalho que um psiquiatra francês, famoso em meados do século XX, estava preocupado com a falta de resultados dos tratamentos num determinado paciente. O doente era muito complexo e sofria de profundos problemas, apresentando –a cada nova consulta -um quadro de depressão extrema e inalterada. Em desespero, o psiquiatra lembrou-se de um palhaço que, desde há meses, aparecia na zona parisiense do Petit Palais e conseguia, com suas histriónicas diatribes, pôr toda a gente a rir. Recomendou-o, pois, ao seu paciente mais difícil. Este, à proposta, reagiu com um misto de bonomia e de tristeza:
- Senhor doutor, esse palhaço sou eu…
Não tem tanta arte esta biografia?
3. A natureza essencial do romance
O escritor britânico Howard Jakobson, explicando o seu ofício de romancista, diz ao repórter que tinha um objectivo fundamental: entreter os leitores. Aparentemente, portanto, a ideia de arte literária deste laureado não se distinguirá da concepção merceeira que alguma mediocridade lusa também professa e cultiva (falo de Rebelo Pinto, de Rodrigues dos Santos, de Sousa Tavares, etc.)… Mas o inglês acrescenta, graças a Deus: trata-se de um entertainment diferente do comum, um "highest entertainment”, que ponha as pessoas a pensar profundamente, a chorar ou a rir com sentido. Traduzo livremente: um entretenimento sublime. E já estamos, aleluia, de acordo, cúmplices de Camilo, Eça, Dinis, Saramago. (E, claro, a corja que não presta não cabe nisto.)
4. Tese & Antítese
Em O Jogo das Contas de Vidro, de Hermann Hesse (tradução de Carlos Leite, Lisboa, Ed. Publicações Dom Quixote, 1999), ao topo da página 16, um simples período glosando uma máxima (talvez inventada pelo autor) ajuda a explicar todos os perigos que a intolerância e o fundamentalismo comportam:
“Há um velho aforismo que diz: quanto mais agudamente e intransigentemente formulamos uma tese, mais irresistivelmente ela clama pela sua antítese.”
Na política, na família, na profissão, no amor, continua a revelar-se interessante e útil a leitura dos clássicos.
Ribeira de Pena, 03-04-2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[As fotos de Ruy Belo, Howard Jakobson e Hermann Hesse foram colhidas, respectivamente (com a devida vénia), em http://www.poroutraspalavras.wordpress.com, http://www.4.bp.blogspot.com e wikipédia.]
Sem comentários:
Enviar um comentário