Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

terça-feira, 26 de abril de 2011

Cesário, Deus, o Minho


1.
Vale sempre a pena voltar a Cesário Verde. Nunca como na sua poesia se torna tão nítida a distinção entre olhar e ver. A escrita, pelos versos do tal poeta que anda pela cidade a obsevar-sentir-avaliar os dias humanos, funda-se numa visão simultaneamente física e estética.
O poeta vive, vendo o que vive.
Vê, vivendo o que vê.
Como todos os que são dignos da condição de (grandes) poetas, Cesário vivê.

2.
Numa reportagem televisiva, ao mesmo tempo que mostra a sua casa degradada, a humidade e o bolor tão visíveis, a falta de recursos económicos, a velhinha com sotaque do norte dirige-se directamente ao jornalista:
“É como o senhor vê…”
Às vezes, apetecia-me que Deus fosse Ele próprio um jornalista por aqui em reportagem, querendo indagar, junto de mim, o que se passa. Eu havia de lhe falar nos grandes partidos e suas clientelas que se servem do país para satisfação dos umbigos egoístas; das conquistas de Abril que, às mãos de politiqueiros de pacotilha, se vão perdendo, embrulhadas em retórica neoliberal e cínica; da obediência dos Estados aos pançudos da finança internacional; da degradação da confiança nos governantes; da corrupção; da brutalidade de um sistema que permite todas as mordomias a uns poucos - e todos os sacrifícios à maioria. E talvez rematasse a minha exposição, dirigindo-me directamente ao Divino Repórter:
“É como o Senhor vê…”

3.
O Minho, por alturas de Abril, é uma fulgurante paleta de cores e formas. Penso, no durante do regresso rodoviário a Ribeira de Pena, que bastaria um pouco de vento para esta paisagem se animar como um bailado russo.
E o vento (aliás, brisa) vem mesmo, roçando-se pelas casas, pelos automóveis, por gentes e montes. Durante uns dez minutos, árvores, flores e pássaros, dançando nos ares, acrescentam uma espécie de coreografia olímpica que mais nenhum espectáculo no mundo poderia, às quatro da tarde desta terça-feira, oferecer-me.

Ribeira de Pena, 26 de Abril de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.arcodebaulhe.olx.pt]

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