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Número de Ondas

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Mia Couto, Tradutor de Chuvas


Não sou um grande entusiasta da literatura de Mia Couto, mas reconheço-lhe – sem remédio - uma invulgar habilidade no manuseamento plástico da língua.
Uma amiga emprestou-me, por uma manhã, um livro de poemas deste biólogo moçambicano, com um belo título: Tradutor de Chuvas(Lisboa, Ed. Caminho, 2011.)
Respigo, do interessante voluminho, alguns versos dignos de nota:
Na página 9, do poema “Saudade”: “Que saudade / tenho de Deus.” (Ecoa aqui um poema de Ana Luísa Amaral – “Nostalgia – / Saudade de Deus.”)
Na página 12, do poema “Clandestino”: “Não era o amor / que eu procurava. Buscava o amar.” (Ecoam aqui uns versos de Pessoa: “Amo como o amor ama. / Não tenho motivo para amar-te mais que amar.”)
Na página 19, do poema “Falas de Uns”: “O homem faz amor / Para se sentir bem. // A mulher faz amor / Quando se sente bem.”
Na página 44, do poema “Pecado muito pouco original”: “Não foi despudor. / A mulher se vestiu, sim, para ser eterna.”
Na página 48, do poema “Flores”: “[…] só a semente / oferece flores.”
Na página 65, do poema “Sazonais Eternidades”: “A saudade / é o que ficou / do que nunca fomos.”
Na página 71, do poema “Sementeira”: “O poeta / faz agricultura às avessas: / numa única semente / planta a terra inteira. // […] Afinal, / não era a palavra que lhe faltava. // Era a vida que ele, nele, desconhecia.”
Na página 80, do poema “Medos”: “Medo do amor / quando tudo é fome. // […] E morrermos / de tanta eternidade.”
Na página 93, do poema “Declaração de Bens”: “Uma única certeza / demora em mim: / o que em nós já foi menino / não envelhecerá nunca.”
Na página 99, do poema “O Homem sem Janela”: “[…] Sou o homem sem janela: / o mundo está sempre do lado de cá. // […] É então que chegas, / e eu, enfim, regresso / para dentro de minhas paredes. // Só então tenho janela.”
Na página 101, do poema “Mudança de Idade”: “Agora sei: / apenas o amor nos rouba do tempo.” (Ecoam aqui uns versos de Eugénio de Andrade: “Abracemo-nos, amor, / contra a morte.”)

[Nota: Os ecos poéticos que evoco no texto são citações feitas de cor.]

Arco de Baúlhe, 28 de Abril de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.abarca.com.]

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