segunda-feira, 4 de abril de 2011
Besame mucho
Toda a gente conhece aquela hipérbole, entretanto devinda clichê, cunhada por certa canção espanhola: Besame mucho / como se fuera esta noche la ultima vez...
Quando, uma vez ainda, me lembro da minha última conversa com o meu pai, o sangue daquela canção pulsa renovadamente.
Talvez esta minha mágoa encerre alguma lição universal. Talvez fosse preciso que, em tantas ocasiões, nos ouvíssemos como se essa fosse a última vez. Talvez fosse preciso que, em tantas ocasiões, nos olhássemos como se essa fosse a última vez.
Nunca mais o meu pai me atenderá o telefone. Nunca mais lhe reprovarei, ali na sua exacta e física presença, o ventre exagerado ou o sorriso de miúdo com que justificava os seus excessos. Mas não falei consigo, na última vez em que consigo falei, como se aquela, que foi a última vez em que falámos, fosse a última vez em que falámos.
Eu há muito tempo que olho para o presente como uma antecâmara de perdas. O que temos, o que somos - tudo, senhores, é uma espécie de pétala delicada condenada ao fim. Por isso me habituei, entretanto, com mal disfarçado susto e mal disfarçado desespero, a ver-ouvir os meus contemporâneos (por enquanto) vivos como se fosse, sempre, a nossa última vez.
E, já agora, o que aparece neste Muito Mar deve ser lido, para benefício da própria leitura, como se cada texto fosse o último escrito ou lido.
Ribeira de Pena, 04 de Abril de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Na foto supra, aparece Consuelo Velásquez, autora (em 1940) da canção "Besame mucho".]
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