Bússola do Muito Mar

Endereço para achamento

jjorgecarvalho@hotmail.com

Número de Ondas

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Sai (mais) uma licenciatura para a mesa do canto!

1.                      Sabe-se que o ministro Miguel Relvas tem uma licenciatura obtida num ano. O escândalo não diminui com a explicação oficial: coisas de Bolonha, da apreciação do currículo profissional do “estudante”, de bondosas equivalências…
1.1.                Relvas, perante o bruá nacional, assustou-se e já diz que não tem culpa, apenas fez o que lhe permitiram, nos termos em que – garante – a lei e a Universidade Lusófona autorizaram.
1.2.                 O primeiro-ministro desvalorizou publicamente esta questão: chamou-lhe “não caso” (sic) e manifestou até regozijo por não haver qualquer ilicitude envolvida. Infelizmente para Passos Coelho, há gravações suas verberando o projecto das Novas Oportunidades que - defendia há meses - apenas certificavam ignorâncias…
1.3.                Falta-nos saber o que pensa deste fenómeno o ministro Nuno Crato, tão tonitruante se revela o matemático, tantas vezes, contra o “facilitismo” e a incompetência reinantes no sistema educativo português.
2.                      Ultimamente, toda a gente se tem lembrado do caso da licenciatura de Sócrates, como uma outra versão desta mesma (triste) história. E têm razão! Porque esta gente parece constituir-se de fura-vidas que são, afinal, clones uns dos outros. E depois chegam a ministros, secretários de estado, administradores da coisa pública ou privada.
2.1.                No caso de Sócrates, o que me chocou mais, na altura, não foi – confesso – a venalidade da Universidade Independente ou a ausência de escrúpulos do ex-governante. Foi sim Mariano Gago, ministro, à época, da Ciência e do Ensino Superior, ter chamado “exemplar” ao percurso académico do ex-chefe de governo.
3.                      Há uns anos, em entrevista, Pina Moura (ex-comunista, depois socialista, depois administrador de grandes empresas) garantia não ter remorsos nem problemas de consciência por, no parlamento, defender mudanças no preço da energia que, quando concretizadas, beneficiariam a Iberdrola (uma firma espanhola em que já trabalhava enquanto ainda deputava). Falta de ética? Talvez não: a criatura explicou que a sua ética era a “ética republicana” – e que tal significava a possibilidade de tudo se fazer desde que fosse legal.
3.1.                E assim se confirmava ali uma célebre ideia de Eça de Queirós que, no século XIX, referindo-se causticamente a alguns portugueses da Regeneração, identificava “respeito” com “medo da polícia”.
4.                      Eu sei que é preciso cuidado quando nos atrevemos a opinar publicamente sobre o carácter das pessoas. Mas Relvas, segundo parece, declarou na Assembleia da República, no espaço relativo ao currículo académico dos deputados, que frequentara o 2.º ano de Direito. Era mentira; ele apenas fizera uma cadeira nesse curso, obtendo a interessante classificação de dez valores. Tendo a considerar que se tratou de um lapso.
4.1.                A explicação de Relvas para o seu miserável currículo académico é a de que, nos anos 80 do século passado, estaria muito empenhado na actividade política. (Esta circunstância, supostamente, deveria merecer do povo português compreensão e gratidão.)
4.2.                Ao invés desta retórica de Relvas, Cavaco Silva, há alguns anos, querendo explicar a sua falta de militância pela liberdade nos tempos do fascismo, explicara que, por estar muito ocupado a estudar, não tivera tempo para actividades políticas.
4.3.                 Para mim, a explicação de Cavaco é pobrezinha, mas honesta. Já a explicação de Relvas parece a desculpa de um cábula que encontra as mais mirabolantes justificações para a sua incapacidade e o seu insucesso escolares.
5.                       Subsiste esta noção de que, hoje como no tempo de José Sócrates, se confunde estudo com obtenção de diplomas. O processo (real aquisição de conhecimentos e competências) é olhado com desprezo por estes novíssimos self-made men, como se se tratasse de pormenores, de superficialidades, de inutilidades, de perdas de tempo!
6.                       Como a contemporaneidade vai cínica, fico à espera de ainda ouvir gente como Miguel Relvas perorar, um dia destes, sobre exigência e rigor na sociedade, em particular na educação. Tudo é possível, senhores. O homem é ministro por enquanto. E é, Deus seja louvado, licenciado para sempre!

Arco de Baúlhe, 04 de Julho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.sicnoticias.sapo.pt.]

4 comentários:

albino disse...

não serei o único a implorar por uma ética social que permita banir da vida pública estes chicos espertos que nos oprimem com a sua falta de escrúpulos e a sua incompetência...
Mas já estou sem esperança de ver a punição aplicada a quem nos ultraja com a sua trafulhice fanfarrona.
abraço, amigo

Tétisq disse...

Subscrevo. Também escolhi o tema para o último post.
A mim não me chocava nada ter um ministro competente sem licenciatura, ter um intrujão que arranjou um diploma apenas para ostentar um Dr antes do nome choca-me um bocadinho.

Paulo Pinto disse...

Pois é, o busílis da questão está aí: por que sentiu Miguel Relvas necessidade de uma licenciatura? Adivinha-se que por isso mesmo: porque precisava de um grau académico qualquer que lhe conferisse, a bem da sua carreira política e (talvez) governativa, o título de doutor, sem o qual (pensaria ele) nem os jornalistas o respeitariam. Para obter o grau académico, qualquer meio serviria, desde que satisfizesse os critérios da facilidade e da rapidez, e que não lhe retirasse tempo à vida partidária e (presumo) a actividades lucrativas.
Se foi assim ou não, não sei, mas que parece mesmo muito, lá isso parece.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Se a ideia era, com a licenciatura, ganhar maior credibilidade, a coisa correu-lhe mal: como se costuma dizer, pior a emenda que o soneto.
Abraço!