Tropeço, quase sem querer, num poema de Sophia, que como quase sempre consegue inundar-me de luz e grandeza. O poema (datado de Maio de 1997) diz:
“A meticulosa beleza do realOnda após onda pétala a pétalaE através do pano branco do todoA sombra área da heraTecedora incessante de grinaldas.”(In O Búzio de Cós e outros poemas, Lisboa, ed. Caminho, 1997.)
Recolho daquela música perfeita de versos feitos com olhos, pele, coração e muita muita lucidez, a ideia de o Tempo ininterruptamente se ocupar da Criação. A hera (física e simbólica) representa essa constância. A vida vai-se fazendo, pétala a pétala e onda a onda, consubstanciando-se num certo crescimento – ascendente – entre o chão e o céu.
Mas a minha leitura cruza-se, hélas, com o telejornal, isto é, com crise, desemprego, despudor dos poderosos, pobreza, cínicos mercados. Ocorre-me que o nosso tempo prefere o rasteiro chão ao limpo sol, ao justo céu. Que somos, hoje, uma era sem hera.
Coimbra, 15 de Julho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.abencerragem.blogspot.pt.]
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