A matriarca distrai-se a verificar algumas minudências técnicas dos iogurtes e, quando retoma a marcha, empurra com a carteira um cartaz que diz “Promoções – 10% de desconto no seu cartão”. Ela bem se apercebe da desarrumação que causou e talvez hesite por um segundo, mas acaba por encolher os ombros e seguir. O filho vai atrás. Não tem mais de doze anos, mas claramente reprova a incúria da mãe. De modo discreto, levanta do chão o cartaz e recoloca-o no lugar onde antes estivera.
A mulher, já na zona dos gelados, chama-o, zangada por ele ter ficado para trás.
2. Estrada
À minha frente, vai um utilitário azul, de matrícula recente. Assisto, enquanto conduzo, a um ataque de fúria do (imagino) marido, que divide o olhar entre a estrada e (imagino) a esposa, gritando e gesticulando como um macaco em guerra. Da pobre destinatária desta ira só vislumbro a cabeleira loira caindo pela esquerda do banco. À rotunda que contornamos ao fundo do Monte Formoso, o homem dá uma espécie de safanão à mulher e, de indicador em riste, vocifera (imagino) ameaças terríveis.
Deixo de assistir ao drama logo a seguir porque tomo o caminho da baixa e o outro carro ruma à auto-estrada.
3. Estação Velha
Uma moça de uns trinta anos grita ao telemóvel. Insulta alguém, obviamente, e noto-lhe por segundos um fio de saliva selvagem escorrendo-lhe dos lábios. Eu e os taxistas ouvimos distintamente, no discurso da rapariga, epítetos como “porco” e “vigarista”, enviados (como pedras) pelo aparelho. Do outro lado, alguém lhe deverá ter dedicado os mesmos mimos porque, ditos pela moça, aparecem na forma enfática de “Tu é que” (“Tu é que és porco”, “Tu é que é vigarista”).
Apesar de tudo, há ali algo de feminino e belo, sobretudo quando ela, talvez para recuperar o fôlego, levanta o rosto para o céu e inspira profundamente.
4. Peões
Um rapaz e uma rapariga (ambos altos – ele vestido sei lá como; ela graciosa como uma gazela no National Geographic, de saia vermelha, comprida e fina, toda colada ao corpo) atravessam a estrada a correr, indiferentes ao claxon de um (talvez) delegado de propaganda médica vestido de Renault Mégane. Ouço-lhes as gargalhadas já no outro lado da avenida, no passeio fronteiro à estação rodoviária.
Ela sacode o cabelo, talvez com calor. Ele beija-a (por mim), como é sua obrigação.
Coimbra, 25 de Julho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.panoramio.com.]
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