Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Sete poemas em vez do silêncio

Dia de voltar a Coimbra. Arrumações. Livros e papéis. Papéis para conservar e papéis para deitar no Papelão.
Entre milhares de folhas, salvo (nem sei porquê) algumas com versos (ou rascunhos de versos). Leio-os no silêncio da cozinha, ante os montes habituais. São 11 poemas datados de 1997. Comove-me ouvir a voz de um outr’eu que algures fui. Identifico-me com o poeta aqui e ali.
Enfim, trago sete destes discursos, para já, ao Muito Mar. Não é este um mau destino, se considerarmos a alternativa que era o contentor do outro lado da rua.

POEMA 1: Do Mundo

Sabes, Deus?
O meu problema é a beleza estar tão disseminada –
Custa-me tantinho concentrar o olhar
E o sangue!

POEMA 2: Dos Outros

Vinde até mim pelo lado das virilhas
E contai-me histórias inteligentes,
Sim?
Erectentenderei então a vida
E os outros
E habitarei essa casa maluca de ter saudades.
Se me quereis querendo-vos como devo
Conquistai-me como deve ser.

POEMA 3: Do Amor

O amor é uma flor com dentadura feliz
Em lugares com asas;
O sorriso das flores é prévio a morder
O coração das casas.

Uma metáfora é no amor um trem fértil:
Os moradores de sentir vivem-viajam em trilhos
E habitam o próprio movimento.

A chave de tudo está naquele desejo das flores sorrindo
E na imprudência de olhando-as morrermos devorados –
Tão belas são as mortes perfumadas e às cores!

POEMA 4: Do Régio

Não venhas por aqui,
Diz-me Régio com olhos baços –
E eu olho Régio com olhos lassos
(Há nos meus olhos ironias, não cansaços)
E abro os braços
E voo por ali!

POEMA 5: Do Estatuto do Poeta

O Poeta deve ser possuidor de uma dor verdadeira.
Não sendo possuidor de uma dor verdadeira, deve inventá-la.
Não sendo capaz de inventá-la, deve abdicar de ser Poeta.
Ora isso
(Abdicar de ser poeta por incapacidade de sentir
Ou por incapacidade de inventar uma dor verdadeira)
Dói sempre (verdadeiramente dói)
A um Poeta.

POEMA 6: Da Morte

Morri há minutos.
Escrevo que morri há minutos
Como?
Estou a ver-me morto
Há minutos morto
E alguém (que sou eu)
Segura-me
Evitando que caia.
Aquele que não morri
Parece desesperado,
Mãe.
A morte está ali à porta
Quase irónica (digo:
Quase irónica, mas não:
Parece também hesitante e confusa).
A porta hesita entre fechar-se ou
Não estar ali.

Levanto-me da cama
E escrevo num canto do jornal:
Fazer um poema com isto.

POEMA 7: Da Acta

E nada mais havendo a acrescentar
Deu-se por encerrado este dia
Que depois de querido e gasto
Falecerá às mãos de Deus
E de mim que o secretariei
Aliás sofri.
(Datar e adormecer.)

Ribeira de Pena, 19 de Julho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.jornale.com.br.]

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