quarta-feira, 18 de abril de 2012
Notas sobre a ausência de mar
1. Agarro-me às metáforas como náufrago às tábuas mais à mão. Quero salvar-me. A incomunicação é, como se sabe, uma forma terrível de afogamento.
2. Da sala de professores à sala de aulas, subo por um búzio. Vozes de um cardume juvenil lembram o mar para onde, por livros, decerto iremos.
3. O sol é uma carta de meu pai, não bem morto há quatro anos. Missiva de luz, essa, que subitamente sai de um envelope de nuvens e me traz notícias do outro lado do mundo. (Ou do outro lado da vida.) Na minha pele, a meio da manhã, inscreve-se o braile de Deus.
4. Por todo o lado se nota muito a ausência de mar. Os montes são belos também, decerto, mas servem sobretudo para pastar os pensamentos. É do oceano que preciso para os meus sonhos saírem de casa.
5. Tenho saudades dos mortos que, vivos, me tornavam a vida tão mais leve: o meu pai, o meu sogro o meu cunhado, alguns amigos, alunos precocemente reduzidos à condição de sombras.
6. Custa-me muito esta falta de eternidade que, como o mar, admiramos e tememos. Custa-me muito que haja para tudo um fim.
7. Não havendo música nos dias, a literatura consola-me. Dá, digamos assim, um sentido à tristeza que é a gente saber-se provisoriamente viva. Não nos salva de morrer, é verdade. Mas salva-nos do nada, que é a pior das mortes.
8. Escrevo e leio como quem, à força de sentir falta do mar, inventa para si próprio (e para quem mais queira) um oceano incertamente eterno.
Cabeceiras de Basto, 18 de Abril de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
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