"On ne voit bien qu'avec le coeur..." (Antoine de Saint-Exupéry, Le Petit Prince)Transeuntes olhares vêem-na na paragem de autocarro. Trata-se, se optarmos por uma linguagem económica, de uma velha. Isso mesmo: uma velha. Normal, vulgar, indiferenciada. Veste de forma igual à de outras velhas, embora haja nela uma espécie de elegância remediada e se adivinhe, no rosto, a beleza da escultura original. Tem, como tantas velhas, o olhar fatigado e triste. Quando sobe para o interior do autocarro, quem nela distraidamente atentou - por segundos - esquece-a e olha para outra realidade qualquer. Mas aquela mulher é a minha mãe. Vista por mim, não é uma velha e muito menos uma velha qualquer. É a minha mãe. Já me segurou na cabeça enquanto, na minha frágil infância, eu tinha muita febre e vomitava. Já me contou histórias de encantar. Já me aturou birras, caprichos, desistências. Já se riu mil vezes das minhas palhaçadas. Já me deu sábios conselhos. A sua fadiga tem a ver com o facto de amar tanto e de modo tão competente. Esteve sempre presente na minha vida. É a mais formosa e distinta das senhoras. Habituei-me a vê-la em minha casa, na nossa casa. Aliás: habituei-me a entendê-la como a minha, a nossa Casa. Não é, portanto, uma mulher normal, vulgar, indiferenciada, como erradamente a poderia considerar um qualquer olhar transeunte. Eu, que a conheço tão bem, sei que é única. Admiro-a totalmente e amo-a totalmente - uma coisa por causa da outra e vice-versa.
Ribeira de Pena, 12 de Abril de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem lembra Eunice Muñoz numa cena de Mãe Coragem, de Brecht.]
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