Bússola do Muito Mar

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domingo, 1 de abril de 2012

Geografia do coração


A minha geografia começa na Rua Dr. Manuel Almeida e Sousa (ou Casal Ferrão), mesmo que o meu corpo durma, agora, na Rua de S. Miguel. Depois, numa espiral imperfeita, viaja até ao Loreto, ao Choupal, à Pedrulha, à Rua da Sofia, ao Retail de Eiras, a Celas, a Antuzede, à Praça da República, a Taveiro, à Solum, à Mealhada.
Como por magia, sei sempre, neste reino natal, a rua certa por onde levar o meu carro ou os meus passos. Reacende-se na memória um certo Café que havia ali à esquina (que continua a haver), ou um quiosque (que já não), ou uma mercearia (que já não). Semelhanças e diferenças falam comigo. A senhora dos correios é a mesma, mas com mais tempo por dentro e (coitadinha) por fora. A minha vizinha de cima já quase não sai de casa devido à doença. A minha vizinha do lado, que foi bonita, sofre visivelmente de osteoporose e de velhice. O cão do prédio em frente já não mija nas flores à beira da estrada porque morreu. No Parque Dr. Manuel Braga, uma dezena de árvores (talvez mais) foi arrancada, como num poema de Jorge de Sena. No Choupal, o meu percurso habitual cresce de forma inversamente proporcional à minha resistência. O rio emagreceu devido à seca. A minha mãe está mais lenta e ri-se menos.
É a vida, n'est-ce pas? A mim parece-me uma biografia sobretudo de perdas. E, apesar de tudo, amo esta cidade. Sou desta cidade. O que tenho feito noutros lugares é perceber quanto de Coimbra aí há. O meu Café Lusa Nova, de Coimbra, é (pode ser) o Ali Babá, de Ribeira de Pena. A pastelaria da Solum é (pode ser) o Santo André, de Arco de Baúlhe. E assim sucessivamente, incluindo natureza e humanidades.
Um amigo diz-me, em conversa amena e risonha, que eu faço falta. Gosto dessa ideia. Vaidoso, convenço-me de que a minha ausência se nota, como árvores cortadas ou quiosques desaparecidos, nesta mui nobre e querida Coimbra.
Há hoje promoções no Lidl, um hipermercado que foi construído no lugar da minha escola primária, ali onde fui Yazalde, Sandokan, Tom Sawyer. De acordo com um folheto, o bacalhau está mais barato uns 30 por cento. Mas as saudades, essas, estão pela hora da morte.

Coimbra, 01 de Abril de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.velhacaracoleta.blogspot.com.]

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