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Número de Ondas

terça-feira, 3 de abril de 2012

Boaventura de Sousa Santos (Pela mão de Alice)



Estive hoje no foyer do Teatro Académico de Gil Vicente para ouvir Boaventura de Sousa Santos. Já o lera antes; já o ouvira em programas de rádio e de televisão; isto é, já o admirava. Trata-se de um grande nome das Ciências Sociais e, de modo mais genérico (mas não menos rigoroso), da Cultura portuguesa e mundial – e, pormenor para mim não despiciendo, é o marido de um dos maiores vultos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, a Doutora Irene Ramalho dos Santos.
A sessão foi realizada no âmbito do Projecto “Páginas Tantas”, que os Professores Osvaldo Manuel Silvestre, Rui Namora e Rui Bebiano (elementos muito activos do Centro de Literatura Portuguesa) dinamizam desde há alguns meses. Convenci a MP e a VL (sem dificuldades) a acompanharem-me. No final, ambas me agradeceram. Beneficiámos os três (e, imagino, o restante público), por cerca de duas horas, de uma espécie de banho de luz, ou (deixai que reformule) de uma chuva de lucidez e de sabedoria verdadeiramente ímpares.
O registo foi, quase sempre, o de uma conversa inteligente e bem disposta, excelentemente dirigida por Osvaldo Silvestre (meu professor de Cânone Literário durante o ano curricular do Doutoramento em Literatura Portuguesa) e por Ana Maria Machado (professora de Literatura e Cultura Portuguesas, também na FLUC). Boaventura de Sousa Santos, com brilho e graça, falou da sua biografia pessoal e académica, da “Privataria” (nome que com que designou a fúria privatizadora da nossa contemporaneidade), da diferença entre “economias de mercado” e “sociedades de mercado”, da incultura dos políticos, da falta de humildade de europeus e norte-americanos face aos contributos do Pensamento periférico (por exemplo, de investigadores latino-americanos), da noção de “Objectividade” (um, cito de cor, “ conjunto de intersubjectividades reconhecidas por um auditório cientificamente válido”), da impossível “Neutralidade” (“Só posso ser neutro se a sociedade estiver a meu favor; se estiver do lado contrário, corro o perigo de me liquidarem ou de me invisibilizarem e não posso, já, ser neutro”).
Entre tantas pérolas, fui desviando – de vez em quando – a minha atenção para o rosto singular da Doutora Irene Ramalho dos Santos. Ela sorria sempre. E havia, no seu olhar face ao sociólogo (não tenho dúvidas),para além da habitual serenidade, um profundo amor de mulher académica, de mulher cidadã e de mulher eterna namorada.
A Professora Ana Maria Machado - não sei se citando alguém - ofereceu-me ainda, a propósito de certa obra que sucintamente apresentou, uma frase tão formosa que a reservei para o penúltimo parágrafo do presente texto: “O relato da viagem revela o viajante.”
Abençoada ideia esta de, para remate da tarde, ir ao TAGV!

Coimbra, 02 de Abril de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[ imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.tantas paginas.wordpress.com e em http://www.submarino.com.br.]

2 comentários:

Paulo Pinto disse...

Só conheço Boaventura Sousa Santos de alguns (bastantes) textos e entrevistas.
A inteligência, a capacidade discursiva e a singularidade do seu pensamento são espantosas, e ouvi-lo deve de facto causar grande (e favorável) impressão.
Admiro muitas das suas ideias, e a arquitectura coerente com que ele as enquadra. Mas, se é tão arguto a desconstruir a lógica capitalista, o neoliberalismo e o imperialismo americano, já não usa o mesmo critério com os caudilhismos terceiro-mundistas ou o extremismo islâmico, por exemplo. É o problema recorrente dos intelectuais de esquerda, a visão selectiva e a atracção por chavões. E, por estranho que pareça, Boaventura faz-me lembrar até certo ponto um pregador evangélico, quando fico a matutar: se este homem consegue em meia dúzia de frases explicar tão convincentemente uma realidade tão complexa, das duas três como diz o outro - ou é o génio mais clarividente do nosso tempo, ou o charlatão mais bem falante, ou é um fervoroso e eloquente apóstolo de uma doutrina.
Inclino-me para o terceiro caso.
Mas o homem nada concede ao senso comum, nem ao pensamento dominante, e tem o condão de nos fazer acreditar que é possível uma sociedade radicalmente diferente e (sobretudo) melhor. E, para cúmulo, é de Coimbra.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

A minha percepção é sobretudo a de quem, muito ao contrário da apologia de chavões, defende humildemente uma ideia de, com paciência e rigor, se estudarem os movimentos sociais e se encontrarem respostas sérias e participadas. Ouvi-o hoje, por exemplo, sustentar a ideia de que não há uma Igreja - há várias Igrejas (e o que as distingue é sua acção pelos homens; de que a "Verdade" não existe - há é, sempre, a humana busca de algo mais satisfatório do que quanto nos é dado saber; e enfim a ideia de que a busca do "bem", da "justiça" e da "felicidade" se concretiza no quotidiano, de modo civilizado e pacífico (mas não apenas nos fóruns convencionais e institucionais).

Abraço, Paulo.