sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Aforismos de Pastelaria, segundo Nuno Costa Santos
Nuno Costa Santos, conheceis?
Eu, para meu prejuízo, não conhecia até há pouco tempo. Agora, posso dizer-vos que se trata de um jornalista e escritor com 35 anos, que – para além de várias obras no domínio da narrativa, do teatro e da poesia – trabalhou para a Grande Reportagem, para A Capital, para o Inimigo Público, e que foi ainda co-fundador do projecto “Manobras de Diversão”.
Teve também, até há poucos anos, um blogue (ainda visitável) chamado “Melancómico”. Alguns dos textos que aí publicou foram transformados em livro: Melancómico - Aforismos de Pastelaria (Lisboa, Edições Fictícias, 2007). Comprei-o no Jumbo por 1 (um!!!) Euro. Foi uma maravilhosa pechincha, esta. Encontramos, sob a forma de aforismos muito livres, reflexões carregadas de humor, de inteligência e (garanto-vos) de poesia formosamente instantânea e mínima. Glosando o autor, diria até que encontrei, em voluminho tão felizmente barato, um Livro do Desassossego menos pesado do que o original (como diria Costa Santos, um Desassossego em "versão Lidl").
Com a devida vénia, apresento-vos algumas das pérolas que o livro oferece – e que me dei ao trabalho de transcrever (quem é amigo, quem é?).
Alberto Heitor, 32 anos, génio, que nos fala do Bairro Alto
Dizem que todos os génios têm consciência que o são. Um disparate completo. Eu, por exemplo, sou um génio e não tenho consciência nenhuma disso. (p. 16)
Márcio tem uma ideia
As amizades deviam ser empresas. Assim, quando um amigo deixasse de nos falar, teríamos direito a uma indemnização. (p. 17)
A escrita emagrece
Na escrita ele é muito mais magro do que na televisão.
Pergunta o pai à mãe
Se ele preparou o doutoramento todo de pijama, por que é que teve de levar o fato escuro para a defesa da tese? (p. 18)
Queixas de um sem-abrigo
É natural que um recém-nascido se queixe da vida várias vezes ao dia. Afinal de contas, acabou de receber uma acção de despejo. (p. 19)
Enriquecimento com causa
Tem vergonha de falar sobre isso. Ficou multimilionário à custa de uma canção sobre a pobreza. (p. 19)
Não ouvido na rua
- Como é que tens medo de cães se cresceste rodeado deles?
- Olha, da mesma forma que cresci rodeado de pessoas e não perdi o medo delas. (p. 19)
Perguntas que ficam para o fim
Como é que se vai chamar o pai da criança? (p. 20)
As últimas palavras do psiquiatra
Nunca deixem o rapaz sozinho. Se não ele ainda escreve um livro. (p. 20)
Filho de zapper sabe zappar
São fim de quase doze meses. Começo a perceber que o meu filho tem algumas parecenças comigo. O petiz também gosta de fazer zapping entre os brinquedos. (p. 21)
Corpo lindo
Era tão intelectual que só se excitava com o corpo de letra. (p. 23)
Livro de reclamações
As televisões deviam ter pudor em transmitir os penáltis. São momentos de intimidade entre dois jogadores. (p. 23)
Juvenal tem uma surpresa no multibanco
O saldo da sua vida não permite novos relacionamentos. (p. 25)
O fim do problema
Passava a vida a limpar a sua imagem. Até que, um dia, sem querer, apagou-a. (p. 25)
A vergonha
Durante a fisioterapia tinha vergonha de dizer aos atletas que se tinha lesionado – ainda por cima com gravidade – a escrever um poema. (p. 27)
Especialidades da casa
Seguindo o exemplo das pessoas que colocam a placa “Boca e Dentes” junto da porta do seu prédio, Rafael resolveu colocar uma a dizer “Depressão e Diletância”. (pp. 29-30)
Acesso condicionado
Há dias em que uma pessoa está com tão pouca vontade de falar que o melhor é sair de casa com uma placa a dizer “Pessoal Autorizado Apenas”. (p. 30)
Reflexão antes do almoço de Sábado
Muitas vezes, não é fácil distinguir um diamante em bruro de um bruto em diamante. (p. 30)
Delírio gastronómico (depois da leitura do Le Monde Diplomatique)- Como é que vai querer o Oriente? Bem passado? Mal passado?
- Médio. (p. 32)
Dona Bina não sabe a resposta mas não fica calada
Isso não sei. Só sei que isto está tão mau para todos que se Cristo resolvesse descer à Terra teria de ficar alojado no Ibis. (p. 32)
Frases para usar lá em cima nos momentos de infelicidade
Isto é a terra no céu. (p. 33)
A vaidade da escrita
Sempre que escrevia um romance, contratava uma maquilhadora. (p. 32)
Relação com o excesso de velocidade
Ficou com o namorado apreendido durante três anos. (p. 34)
Das finanças públicas à vida sexual e sentimental dos cidadãos
Quando, na hora do telejornal, o primeiro-ministro falou em défice, fez-se silêncio no prédio todo. (p. 34)
Maneiras de ser considerado um “chulo da Nação” pelo homem da garagem (Lição 1)
Passar a manhã em casa, sair à hora do almoço e voltar duas horas depois com dois sacos da FNAC na mão cheios de CDs e livros. (p. 35)
Coisas que se dizem na esplanada
Sou a versão Lidl do Fernando Pessoa. (p. 34)
Temos de ser modernos
A expressão “ter o coração ao pé da boca” deve ser actualizada para “ter o coração em alta voz”. (p. 38)
Slogan para empresa dedicada ao desmancho de casamentos
Disconnecting People (p. 38)
Descendo a Avenida da Liberdade
Costuma dividir-se os homens entre utópicos e pessimistas, esquecendo que o pessimismo também pode ser uma utopia. (p. 38)
Título para biografia de autarca
Rotundamente (p. 39)
Esclarecimento provavelmente útil
Todos os romances são livros de auto-ajuda. (p. 40)
Josefino Salomão, 51 anos, dono de um quiosque, que nos fala de Odivelas
Isto da presença espanhola está tão forte que, daqui a nada, até o Corte Inglês é espanhol. (p. 40)
O pior do mundo são as personagens
Eram dois ficcionistas. Uma vez por semana, almoçavam juntos num restaurante da Baixa. Durante o repasto, as personagens dos seus livros ficavam lá fora. À porrada. Até as boazinhas. (p. 42)
Albertino Fumo, 54 anos, analista político da junta, que nos fala de Aveiras
Olhar para os cartazes de campanha depois das eleições é tão deprimente como encontrar as cuecas de fio dental da mulher no dia a seguir ao divórcio. (p. 43)
A angústia da influência
Sofro de Goethe, doutor. (p. 43)
Viagra para países
Há as potências mundiais, como os EUA. E há também as impotências mundiais, como Portugal. (p. 44)
Recibos
Ele era tão intelectual, tão intelectual que até o seu livro de recibos verdades era editado pela Assírio e Alvim. (p. 45)
Conversa de dietista II
O guloso volta sempre ao lugar do creme. (p. 45)
Super-heróis para o nosso tempo
Depois do Bananaman, o Badanaman – aquele que ganha poderes depois de ler as badanas. (p. 46)
Singela e curta homenagem a [Albert] Cossery
Foi fazer um teste psicotécnico e deu preguiçoso. (p. 47)
E ainda mais uma
Será que as pessoas da alta finança também utilizam expressões como “isto tá mau pa todos”? (p. 48)
Competição de balneário actualizada
O meu NIB é maior que o teu. (p. 49)
Questão de eficácia
Só as pessoas que se levam a sério podem brincar com elas mesmas. (p. 49)
Actualidade
A actualidade é promíscua. Todas as semanas está enrolada com um novo assunto. (p. 50)
A confissão de Lúcia
Resolvi renovar com o meu namorado por mais uma época. (p. 51)
Mais uma reflexão de dona Bina sobre literatura e assuntos afins
Muitos escritores experimentam o romance com a mesma intenção com que outros experimentam heroína: para provarem que são capazes. (p. 52)
Dona Bina dá conselhos ao neto
Ó José Jacinto, a paixão é o amor com ecstasy. (p. 52)
Poeta
Actor porno que tem medo do sexo. (p. 54)
Conversa entre animais
Aqueles sites de sexo com humanos são um nojo. (p. 54)
Isto é tudo muito bonito
A condição de turista é uma condição de esquerda. A maior parte dos turistas julga que, ao visitar um país estrangeiro, encontrou a utopia. (p. 55)
A conclusão de Márcio, depois de dar um passeio pela cidade
Portugal é uma telenovela brasileira produzida pela TVI. (p. 56)
Caso perdido
Até a pensar tenho má dicção. (p. 56)
Eugénio de Andrade num T4 em Lisboa
Boa noite. Eu vou com as térmitas. (p. 57)
Automático
Os humoristas, nos momentos de cansaço e preguiça, entram em palhaço automático. (p. 59)
Puro
É um intelectual puro. Só assiste a reality shows para imaginar tudo em livro. (p. 60)
Deixa possível para a ejaculação precoce
Pedimos desculpa pela interrupção. (p. 60)
Duas amigas
Num gesto de generosidade, ela quis emprestar o marido à amiga. Mas a amiga disse logo: “Obrigada, mas já tenho esse”. (p. 62)
Mirones de metáforas
Não se percebe por que é que os portugueses abrandam o passo para olhar os destroços de um acidente de automóvel e depois não se mostram qualquer interesse em espreitar o momento em que um escritor cria as suas metáforas. (p. 63)
Em directo do caderninho de Márcio III
A vida é uma chamada que está sempre a ir abaixo. (p. 63)
Recensões
Há escritores que, quando estão a terminar um livro, já têm recensões sobre a obra em todos os jornais. (p. 63)
Comentário de esquina
Eram muito amigos. Um era cego, o outro não. Todos os dias de manhã davam grandes passeios. Aliás, desde que o cego morreu, o outro nunca Maios soube orientar-se na cidade. (p. 65)
Suicida
Era um comboio suicida. Tinha como objectivo matar-se debaixo de uma pessoa. (p. 65)
Eu pelo menos não queria ser irmão de Einstein
Pior do que ter um irmão gémeo é ter um irmão génio. (p. 66)
Márcio pergunta
A beleza pode ser considerada um sinal exterior de riqueza? (p. 66)
Definição havaiana de poeta
O poeta é um surfista que tem medo das ondas. (p. 66)
Tu viste a cabazada que o Ramos Rosa deu ao Nuno Júdice ontem à noite?
Para além da jornada desportiva, devia haver a jornada literária. (p. 67)
A obsessão das rotundas
Era um autarca tão obcecado por rotundas que mandou construir uma no seu quarto de dormir, antes da cama. (p. 68)
Aforismo da dona Bina
O ciúme é o capricho dos pobres. (p. 70)
Da preocupação com a vestimenta
Isto precisava era de uma Ana Salazar em cada esquina. (p. 70)
Boas maneiras
Era tão bem educado que, sempre que um condutor lhe dava passagem na rua, mandava um cartão a agradecer. (p. 71)
Aforismos de Conservador utópico
Era um conservador utópico. Só queria conservar aquilo que nunca poderia ter. (p. 72)
Histórias de museu
Naquele dia, o guia do museu resolveu dizer o quanto estava farto de pintura francesa do século XIX e que a sua vida sentimental e sexual era um caos. Os turistas, esses, tiraram notas como se nada fosse. (p. 73)
O último a saber
Não se falava noutra coisa no bairro. Toda a gente sabia que a mulher se masturbava durante a noite. Menos o marido – que passava os serões a ver filmes pornográficos. (p. 73)
Karaoke tale (inspirado num episódio que se conta de Robert Palmer)
No fim da vida, entrou num clube de karaoke e, ao cantar um hit seu, não foi reconhecido por ninguém. (p. 74)
O nascimento dum prosador
Era poeta. Até ao momento em que teve de tomar um duche frio. (p. 75)
Cachet
Não era um simples médico. Era um artista. Sempre que fazia um parto, pedia um cachet bastante elevado. (p. 76)
JanuárioJanuário tinha bom feitio. O seu cão é que não. Quando se encontravam era Januário que abanava o rabo. (p. 77)
A multa lírica (e outras histórias)
Era um polícia bastante inconveniente. Em vez de multas, passava poemas. (p. 77)
Depois de ter passado o serão a ler os 35 Poemas, Márcio faz a seguinte pergunta
Terá o Rimbaud na altura mandado alguma coisa para o DN Jovem? (p. 80)
Hoje fui aos correios
Fiquei a saber que há livros do Paulo Coelho à venda nos correios. Parece-me bem. Depois do correio azul, o livro azul – o livro que é consumido em tempo recorde. (p. 80)
Até ao dia em que assassinou uma
Para apresentar um novo livro, só convidava pessoas que o tinham odiado. (p. 81)
Com 18 pessoas à espera (no mínimo)
Julgava que estava defronte do padre, na Igreja dos Anjos. E então, durante meia hora, confessou-se à caixa multibanco. (p. 81)
E, para terminar, a minha preferida:
A biografia de Orlando
Orlando passou a vida a envelhecer. (p. 81)
Ribeira de Pena, 25 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
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3 comentários:
Deve ser delicioso... Obrigada pela partilha.
AGM
Maravilhoso. Jumbo, aqui vou eu! (Juro que não é somente por ter dois cupões para meter na tômbola do sorteio antes que esgote o prazo. Nem por ter o queijo da serra em promoção)
Anabela,
eu é que agradeço a visita! Beijinho.
Paulo,
que a tômbola se lembre de ti! Abraço.
JJC
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