Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Aforismos de Pastelaria, segundo Nuno Costa Santos


Nuno Costa Santos, conheceis?
Eu, para meu prejuízo, não conhecia até há pouco tempo. Agora, posso dizer-vos que se trata de um jornalista e escritor com 35 anos, que – para além de várias obras no domínio da narrativa, do teatro e da poesia – trabalhou para a Grande Reportagem, para A Capital, para o Inimigo Público, e que foi ainda co-fundador do projecto “Manobras de Diversão”.
Teve também, até há poucos anos, um blogue (ainda visitável) chamado “Melancómico”. Alguns dos textos que aí publicou foram transformados em livro: Melancómico - Aforismos de Pastelaria (Lisboa, Edições Fictícias, 2007). Comprei-o no Jumbo por 1 (um!!!) Euro. Foi uma maravilhosa pechincha, esta. Encontramos, sob a forma de aforismos muito livres, reflexões carregadas de humor, de inteligência e (garanto-vos) de poesia formosamente instantânea e mínima. Glosando o autor, diria até que encontrei, em voluminho tão felizmente barato, um Livro do Desassossego menos pesado do que o original (como diria Costa Santos, um Desassossego em "versão Lidl").
Com a devida vénia, apresento-vos algumas das pérolas que o livro oferece – e que me dei ao trabalho de transcrever (quem é amigo, quem é?).


Alberto Heitor, 32 anos, génio, que nos fala do Bairro Alto
Dizem que todos os génios têm consciência que o são. Um disparate completo. Eu, por exemplo, sou um génio e não tenho consciência nenhuma disso. (p. 16)

Márcio tem uma ideia
As amizades deviam ser empresas. Assim, quando um amigo deixasse de nos falar, teríamos direito a uma indemnização. (p. 17)

A escrita emagrece
Na escrita ele é muito mais magro do que na televisão.

Pergunta o pai à mãe
Se ele preparou o doutoramento todo de pijama, por que é que teve de levar o fato escuro para a defesa da tese? (p. 18)

Queixas de um sem-abrigo
É natural que um recém-nascido se queixe da vida várias vezes ao dia. Afinal de contas, acabou de receber uma acção de despejo. (p. 19)

Enriquecimento com causa
Tem vergonha de falar sobre isso. Ficou multimilionário à custa de uma canção sobre a pobreza. (p. 19)

Não ouvido na rua
- Como é que tens medo de cães se cresceste rodeado deles?
- Olha, da mesma forma que cresci rodeado de pessoas e não perdi o medo delas. (p. 19)

Perguntas que ficam para o fim
Como é que se vai chamar o pai da criança? (p. 20)

As últimas palavras do psiquiatra
Nunca deixem o rapaz sozinho. Se não ele ainda escreve um livro. (p. 20)

Filho de zapper sabe zappar
São fim de quase doze meses. Começo a perceber que o meu filho tem algumas parecenças comigo. O petiz também gosta de fazer zapping entre os brinquedos. (p. 21)

Corpo lindo
Era tão intelectual que só se excitava com o corpo de letra. (p. 23)

Livro de reclamações
As televisões deviam ter pudor em transmitir os penáltis. São momentos de intimidade entre dois jogadores. (p. 23)

Juvenal tem uma surpresa no multibanco
O saldo da sua vida não permite novos relacionamentos. (p. 25)

O fim do problema
Passava a vida a limpar a sua imagem. Até que, um dia, sem querer, apagou-a. (p. 25)

A vergonha
Durante a fisioterapia tinha vergonha de dizer aos atletas que se tinha lesionado – ainda por cima com gravidade – a escrever um poema. (p. 27)

Especialidades da casa
Seguindo o exemplo das pessoas que colocam a placa “Boca e Dentes” junto da porta do seu prédio, Rafael resolveu colocar uma a dizer “Depressão e Diletância”. (pp. 29-30)

Acesso condicionado
Há dias em que uma pessoa está com tão pouca vontade de falar que o melhor é sair de casa com uma placa a dizer “Pessoal Autorizado Apenas”. (p. 30)

Reflexão antes do almoço de Sábado
Muitas vezes, não é fácil distinguir um diamante em bruro de um bruto em diamante. (p. 30)

Delírio gastronómico (depois da leitura do Le Monde Diplomatique)- Como é que vai querer o Oriente? Bem passado? Mal passado?
- Médio. (p. 32)

Dona Bina não sabe a resposta mas não fica calada
Isso não sei. Só sei que isto está tão mau para todos que se Cristo resolvesse descer à Terra teria de ficar alojado no Ibis. (p. 32)

Frases para usar lá em cima nos momentos de infelicidade
Isto é a terra no céu. (p. 33)

A vaidade da escrita
Sempre que escrevia um romance, contratava uma maquilhadora. (p. 32)

Relação com o excesso de velocidade
Ficou com o namorado apreendido durante três anos. (p. 34)

Das finanças públicas à vida sexual e sentimental dos cidadãos
Quando, na hora do telejornal, o primeiro-ministro falou em défice, fez-se silêncio no prédio todo. (p. 34)

Maneiras de ser considerado um “chulo da Nação” pelo homem da garagem (Lição 1)
Passar a manhã em casa, sair à hora do almoço e voltar duas horas depois com dois sacos da FNAC na mão cheios de CDs e livros. (p. 35)

Coisas que se dizem na esplanada
Sou a versão Lidl do Fernando Pessoa. (p. 34)

Temos de ser modernos
A expressão “ter o coração ao pé da boca” deve ser actualizada para “ter o coração em alta voz”. (p. 38)

Slogan para empresa dedicada ao desmancho de casamentos
Disconnecting People (p. 38)

Descendo a Avenida da Liberdade
Costuma dividir-se os homens entre utópicos e pessimistas, esquecendo que o pessimismo também pode ser uma utopia. (p. 38)

Título para biografia de autarca
Rotundamente (p. 39)

Esclarecimento provavelmente útil
Todos os romances são livros de auto-ajuda. (p. 40)

Josefino Salomão, 51 anos, dono de um quiosque, que nos fala de Odivelas
Isto da presença espanhola está tão forte que, daqui a nada, até o Corte Inglês é espanhol. (p. 40)

O pior do mundo são as personagens
Eram dois ficcionistas. Uma vez por semana, almoçavam juntos num restaurante da Baixa. Durante o repasto, as personagens dos seus livros ficavam lá fora. À porrada. Até as boazinhas. (p. 42)

Albertino Fumo, 54 anos, analista político da junta, que nos fala de Aveiras
Olhar para os cartazes de campanha depois das eleições é tão deprimente como encontrar as cuecas de fio dental da mulher no dia a seguir ao divórcio. (p. 43)

A angústia da influência
Sofro de Goethe, doutor. (p. 43)

Viagra para países
Há as potências mundiais, como os EUA. E há também as impotências mundiais, como Portugal. (p. 44)

Recibos
Ele era tão intelectual, tão intelectual que até o seu livro de recibos verdades era editado pela Assírio e Alvim. (p. 45)

Conversa de dietista II
O guloso volta sempre ao lugar do creme. (p. 45)

Super-heróis para o nosso tempo
Depois do Bananaman, o Badanaman – aquele que ganha poderes depois de ler as badanas. (p. 46)

Singela e curta homenagem a [Albert] Cossery
Foi fazer um teste psicotécnico e deu preguiçoso. (p. 47)

E ainda mais uma
Será que as pessoas da alta finança também utilizam expressões como “isto tá mau pa todos”? (p. 48)

Competição de balneário actualizada
O meu NIB é maior que o teu. (p. 49)

Questão de eficácia
Só as pessoas que se levam a sério podem brincar com elas mesmas. (p. 49)

Actualidade
A actualidade é promíscua. Todas as semanas está enrolada com um novo assunto. (p. 50)

A confissão de Lúcia
Resolvi renovar com o meu namorado por mais uma época. (p. 51)

Mais uma reflexão de dona Bina sobre literatura e assuntos afins
Muitos escritores experimentam o romance com a mesma intenção com que outros experimentam heroína: para provarem que são capazes. (p. 52)

Dona Bina dá conselhos ao neto
Ó José Jacinto, a paixão é o amor com ecstasy. (p. 52)

Poeta
Actor porno que tem medo do sexo. (p. 54)

Conversa entre animais
Aqueles sites de sexo com humanos são um nojo. (p. 54)

Isto é tudo muito bonito
A condição de turista é uma condição de esquerda. A maior parte dos turistas julga que, ao visitar um país estrangeiro, encontrou a utopia. (p. 55)

A conclusão de Márcio, depois de dar um passeio pela cidade
Portugal é uma telenovela brasileira produzida pela TVI. (p. 56)

Caso perdido
Até a pensar tenho má dicção. (p. 56)

Eugénio de Andrade num T4 em Lisboa
Boa noite. Eu vou com as térmitas. (p. 57)

Automático
Os humoristas, nos momentos de cansaço e preguiça, entram em palhaço automático. (p. 59)

Puro
É um intelectual puro. Só assiste a reality shows para imaginar tudo em livro. (p. 60)

Deixa possível para a ejaculação precoce
Pedimos desculpa pela interrupção. (p. 60)

Duas amigas
Num gesto de generosidade, ela quis emprestar o marido à amiga. Mas a amiga disse logo: “Obrigada, mas já tenho esse”. (p. 62)

Mirones de metáforas
Não se percebe por que é que os portugueses abrandam o passo para olhar os destroços de um acidente de automóvel e depois não se mostram qualquer interesse em espreitar o momento em que um escritor cria as suas metáforas. (p. 63)

Em directo do caderninho de Márcio III
A vida é uma chamada que está sempre a ir abaixo. (p. 63)

Recensões
Há escritores que, quando estão a terminar um livro, já têm recensões sobre a obra em todos os jornais. (p. 63)

Comentário de esquina
Eram muito amigos. Um era cego, o outro não. Todos os dias de manhã davam grandes passeios. Aliás, desde que o cego morreu, o outro nunca Maios soube orientar-se na cidade. (p. 65)

Suicida
Era um comboio suicida. Tinha como objectivo matar-se debaixo de uma pessoa. (p. 65)


Eu pelo menos não queria ser irmão de Einstein
Pior do que ter um irmão gémeo é ter um irmão génio. (p. 66)

Márcio pergunta
A beleza pode ser considerada um sinal exterior de riqueza? (p. 66)

Definição havaiana de poeta
O poeta é um surfista que tem medo das ondas. (p. 66)

Tu viste a cabazada que o Ramos Rosa deu ao Nuno Júdice ontem à noite?
Para além da jornada desportiva, devia haver a jornada literária. (p. 67)

A obsessão das rotundas
Era um autarca tão obcecado por rotundas que mandou construir uma no seu quarto de dormir, antes da cama. (p. 68)

Aforismo da dona Bina
O ciúme é o capricho dos pobres. (p. 70)

Da preocupação com a vestimenta
Isto precisava era de uma Ana Salazar em cada esquina. (p. 70)

Boas maneiras
Era tão bem educado que, sempre que um condutor lhe dava passagem na rua, mandava um cartão a agradecer. (p. 71)

Aforismos de Conservador utópico
Era um conservador utópico. Só queria conservar aquilo que nunca poderia ter. (p. 72)

Histórias de museu
Naquele dia, o guia do museu resolveu dizer o quanto estava farto de pintura francesa do século XIX e que a sua vida sentimental e sexual era um caos. Os turistas, esses, tiraram notas como se nada fosse. (p. 73)

O último a saber
Não se falava noutra coisa no bairro. Toda a gente sabia que a mulher se masturbava durante a noite. Menos o marido – que passava os serões a ver filmes pornográficos. (p. 73)

Karaoke tale (inspirado num episódio que se conta de Robert Palmer)
No fim da vida, entrou num clube de karaoke e, ao cantar um hit seu, não foi reconhecido por ninguém. (p. 74)

O nascimento dum prosador
Era poeta. Até ao momento em que teve de tomar um duche frio. (p. 75)

Cachet
Não era um simples médico. Era um artista. Sempre que fazia um parto, pedia um cachet bastante elevado. (p. 76)

JanuárioJanuário tinha bom feitio. O seu cão é que não. Quando se encontravam era Januário que abanava o rabo. (p. 77)

A multa lírica (e outras histórias)
Era um polícia bastante inconveniente. Em vez de multas, passava poemas. (p. 77)

Depois de ter passado o serão a ler os 35 Poemas, Márcio faz a seguinte pergunta
Terá o Rimbaud na altura mandado alguma coisa para o DN Jovem? (p. 80)

Hoje fui aos correios
Fiquei a saber que há livros do Paulo Coelho à venda nos correios. Parece-me bem. Depois do correio azul, o livro azul – o livro que é consumido em tempo recorde. (p. 80)

Até ao dia em que assassinou uma
Para apresentar um novo livro, só convidava pessoas que o tinham odiado. (p. 81)

Com 18 pessoas à espera (no mínimo)
Julgava que estava defronte do padre, na Igreja dos Anjos. E então, durante meia hora, confessou-se à caixa multibanco. (p. 81)

E, para terminar, a minha preferida:

A biografia de Orlando
Orlando passou a vida a envelhecer. (p. 81)

Ribeira de Pena, 25 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

E, no entanto, eles esforçam-se...


Podem as mulheres em geral verberar os consabidos defeitos da fauna masculina – a superficialidade, o materialismo, a insensibilidade, a brutidade, a pulsão venatória, o défice de romantismo e de boas maneiras. Mas é justo que vão igualmente reconhecendo o esforço que, apesar de tudo, os pobres dos homens fazem para melhorar, evoluir, corresponder – tanto quanto possível – às exigências constantes e inclementes das senhoras.
Por exemplo: um amigo meu interrompe, subitamente, certa noite de copos e convívio. Nota-se-lhe no rosto a preocupação urgente, quase terror, por alguma missão essencial por cumprir. Ele esclarece-nos em voz muito séria:
- Tenho de ir, pá. Já me esquecia de que a minha mulher faz hoje anos de casada…

Arco de Baúlhe, 21 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (pintura "Mulher dormindo", do brasileiro Ralfe Braga) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.flickr.com.]

Um homem cortado ao meio


De Italo Calvino conhecia, até ontem, alguns livros: Palomar, Seis Propostas Para o Próximo Milénio, As Cidades Invisíveis, Se Numa Noite de Inverno Um Viajante, O Barão Trepador. O último destes títulos foi, sem dúvida, o que mais me agradou (aliás, impressionou). Gosto de boas histórias consubstanciadas em boa escrita.
Várias vezes tropeçara já, em artigos ou entrevistas, no título O Visconde Cortado ao Meio. Pude, numa noite, devorá-lo, enfim, porque se me ofereceu a oportunidade de o requisitar na biblioteca da minha escola (edição da Teorema, Lisboa, 2009).
O milagre da leitura beijou-me novamente! Como não quero roubar a amigos o prazer (provável) da leitura, apenas me permito confidenciar-vos que se trata de uma espécie de alegoria dos sentimentos – em concreto, um discurso sobre a dramática contradição que, com raras excepções, habita o ser humano: um ser de paz & guerra; tolerância & radicalismo; criação & destruição; bondade & maldade.
Em certa medida, há na obra um permanente diálogo – no seio do próprio indivíduo – entre o Deus e o Diabo de que somos feitos. O signo que preside à metáfora vai buscar o significante a um episódio (só possível no universo da narrativa): alguém – “um visconde” - perde metade do corpo (no sentido longitudinal), na sequência de um episódio de guerra. Uma metade sobrevive e, hélas, essa metade é a sua metade má. Páginas (capítulos) adiante, descobre-se que a outra metade (a metade boa) também sobrevivera. O combate entre ambas as metades torna-se inevitável. Ofereço-vos, como introdução ao prazer de uma provável leitura, um passo relativo ao duelo entre os dois lados da condição humana:
«Era uma madrugada toda em tons de verde; no prado, os dois subtis adversários, vestidos de negro, mantinham-se firmes em atitude de expectativa. O leproso fez soar a sua trompa: era o sinal combinado. O céu vibrou como uma membrana estendida. Nas cavernas as gralhas enfiaram as unhas na terra, sem tirarem a cabeça debaixo da asa, as garças arrancaram as penas do próprio corpo com grande sofrimento, a boca da minhoca mordeu o seu próprio rabo, a víbora ente4rrou em si mesma os seus dentes venenosos, as vespas perderam os ferrões, quebrando-os nas pedras, e todas as coisas se voltavam contra si próprias, a geada das poças de água gelava, os líquenes tornavam-se pedras e as pedras líquenes, as folhas secas tornavam-se terra, e a seiva, tornada espessa e dura, matava a vida da própria árvore que se alimentava dela. Assim o homem se lançava também contra si próprio, com ambas as mãos armadas de uma grande espada.» (pp. 152-153.)

Revejo o nosso Fernando Pessoa (ou Vergílio Ferreira) nesta maravilha enunciatória: “O homem contra si próprio.”

Arco de Baúlhe, 20 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Política caseira e vezeira


Reservo para mim próprio a azia e nojo que algumas das medidas anunciadas pelo primeiro-ministro provocaram.
Gostaria, contudo, de telegraficamente lembrar alguns dados que a retórica do governo (e também a dos pançudos mediáticos que, com a parcialidade habitual, arrotam nos média as suas "verdades") ignora.
1 - Os funcionários públicos não são culpados da situação do país. São trabalhadores, têm contratos com o Estado, servem a população. Retirar-lhes o salário (o pão) é atitude pouco séria e de legalidade questionável.
2 - A haver sacrifícios, eles deveriam ser universais e proporcionais aos rendimentos das famílias. Não é a mesma coisa "retirar" dois mil euros (2 subsídios) a um único sujeito passivo que vive com esposa, filhos, idosos a cargo, etc. ou a outro que seja solteiro e viva só, ou tenha um(a) cônjuge a trabalhar também.
3 - Entre outras indignidades, o que os governos vêm roubando aos funcionários públicos serve para pagar a dívida que alguns ladrões consabidamente deixaram em alguns bancos. No caso do BPN, é público que muita gente importante beneficiou do descalabro anunciado. Agora, é do nosso conhecimento que o Estado assume aquele deastre e paga-o - mas ninguém devolve dinheiro e ninguém vai preso. (O ex-governador do Banco de Portugal foi até premiado com uma espécie de pré-reforma dourada no BCE). Como é possível?!!!
4 - O PSD deitou abaixo o governo anterior porque - sustentou - não era justo continuar a sobrecarregar os portugueses com sacrifícios tão duros e injustos. Agora, com o silêncio cúmplice (talvez incomodado) do CDS, sai-se com este brutal orçamento para 2012. Passos Coelho já confessou que estas medidas não correspondem ao seu "programa". Ora, em minha opinião, a consequência desta disparidade entre as promessas eleitorais e prática governativa deveria ser a convocação de eleições gerais.
5 - Fui buscar a imagem do apocalipse à internet. Exageros meus, má fortuna, amor ardente...

Ribeira de Pena, 17 de Outubro de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho

sábado, 15 de outubro de 2011

Intercidades


Enquanto as árvores fugiam fugiam fugiam
E os olhos morriam cansados cansados cansados
Aterrou uma deusa.

Viajou terrena e plácida terrena e plácida terrena e plácida
No banco prosaico de uma carruagem carruagem
Carruagem
Sem esconder a sua condição de deusa.

Todas as árvores e casas e homens
Enfeitavam a vertigem da perda.
Toda a minha viagem desaguando aí
No banco setenta-e-um, janela
De um amor impossível e perfeito.

Simão, Camilo e Teresa de comboio
De comboio de comboio de comboio
E uma infinita mágoa em mim
Por não te ter por não te ter


(Toda a posse do olhar é irónica
E mentirosa)

O mais belo rosto de uma Grécia aqui
Eras tu.
E a maior tristeza do mundo era eu não
Poder dizer-te: O mais belo rosto
De uma Grécia aqui aqui aqui

És tu.

Ribeira de Pena, 15 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (cartaz apresentado no âmbito do SCENA 2011 - Colóquio Internacional "A cenografia no mundo sem fronteiras", um festival de artes performativas levado a efeito entre 26 e 29 de Abril de 2011, especificamente concebido para o workshop “O Comboio”, baseado no conto de Raymond Carver) foi colhida, com a devida vénia., em http://www.scenalisboa.blogspot.com.]

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Sumário mínimo


De uma pequena brisa entre as chuvas
De um naco de paisagem, uma flor
De quase nada d’água, algumas uvas
De um sonoro riso voador –

De tão pouco eu preciso em minha lida
Para viver, amor, a minha vida.

Ribeira de Pena, 14 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (“Árvores em flor”, de Monet) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.allposters.pt.]

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Sexta-feira


Estive sentado à mesa da tua ausência
E tive na língua o café e a palavra
Em silêncio.
Li o Independente enquanto não vinhas
E esqueci-me por segundos à volta do mundo.

Tive as mãos sujas
À hora de acabar o café.

A manchete do jornal eras tu
Que não estavas em nenhuma notícia.
A saudade é a flor mais estúpida
Dos dias (a mais bela).
O teu melhor sorriso pairou nos meus dedos
E na nuca do empregado alto.

Hoje é sempre
E não te perdoo não estares
Porque este é o único momento
De podermos estar os dois neste momento.

Mas
Devo-te este poema há cem anos
Que ainda não sou capaz de te dizer.
Vou agora à procura de versos
Nas asas do pássaro da praça
E levo neles o meu silêncio
E a tua ausência.

O voo dos pássaros é tonto é barulhento
E a praça é circular vista de cima:
O Outono das árvores são braços nus
Como eu à tua espera
Ou como os versos de há cem anos
Sobre ti à espera de mim.

Ribeira de Pena, 13 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Este poema faz parte do meu livro Desapontamentos dos Dias, Coimbra, Ed. A Mar Arte, 1995.]

Evasão ao contrário


Ouço há muitas gerações esta denúncia: o país sofre as agruras da "evasão fiscal".
Com a crise, sabendo-se agora que a soberania é apenas uma vaga saudade, começo a achar que os nossos problemas com o fisco são muito de origem externa. Julgo, pois, que começa a fazer sentido falar de uma outra (nova) tragédia económico-financeira: a invasão fiscal.


Ribeira de Pena, 13 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.2.bp.blogspot.com.]

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Gerúndio ainda grato


Celebro a inteira Beleza d'Agora;
Amo este lugar onde, eis-me, sou;
Sinto, claro, que de mim vou indo embora
Mas, ai, feliz vou sendo enquanto estou.

Ribeira de Pena, 12 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem, já usada uma vez neste blogue, é um pormenor de um célebre quadro de Dali que sempre me perturbou.]

Navegar


Tenho em mim um navio à janela
De ver as estrelas perdidamente.
Ao colo da noite navego por ela
No prédio sem regresso do mar em frente.

Ribeira de Pena, 12 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Este poema faz parte do meu livro Desapontamentos dos Dias, Coimbra, Ed. A Mar Arte, 1995.]

domingo, 9 de outubro de 2011

Míngua


Mia Couto encontrou um modo inteligente de, glosando Bernardo Soares, nomear a sua própria linguagem. O autor do Livro do Desassossego cunhara a genial frase "A minha pátria é a língua portuguesa". Couto, referindo-se à sua pessoal literatura, diz: "A minha pátria é a minha língua portuguesa."
Sobre a minha própria biobibliografia, vem-me parecendo, cada vez mais, que se trata de uma coisa feita de (e sobre) ausências, faltas, incompletudes, saudades, sonhos doidos, frustrações havidas e a haver, a dor de me saber (no tempo e no espaço) deficitário. De modo que me atrevo a glosar também o apotegma pessoano, revisitando-o à minha medida:
"A minha pátria é a minha míngua portuguesa."

Ribeira de Pena, 09 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

Diálogo entre Elmano Sadino e Manuel Barbosa du Bocage


- A razão sem o amor é uma coisa cruel.
- Também o amor sem razão deixa sempre a desejar por ser, nesse caso, algo animalesco.
- Mas não vês que o amor é verdadeiramente a razão de existirmos?
- Será. E a razão, por seu turno, não será ela a salvação do amor, justificando-o humanamente?
- A salvação, sim. Mas só no sentido em que a razão se salvará apenas salvando o amor.
- Tens razão.

Ribeira de Pena, 09 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.daliedaqui.blogspot.com.]

sábado, 8 de outubro de 2011

O lado mais belo


Roupa. Vento. Olhos. Chuva.

Bela à volta dos dias mesmos.
Íris ao longe e tão perto.

O lado mais belo dos meus olhos
Está em ver-te.
O meu olhar veste-se de prédios e de ti.

Sobre a distância de ter-te
Dir-te-ei um dia o espanto
E o fogo.

Ribeira de Pena, 08 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Este poema faz parte do meu livro Desapontamentos dos Dias, Coimbra, Ed. A Mar Arte, 1995. A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.blogpontoevirgula.blogs.sapo.pt.]

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Soneto cacilheiro


Por Lisboa um poeta desanda
Ao ritmo dos passos e do olhar.
Há nele um cigarro e um fado
E um brilho (que não se vê) nascendo -

Os sapatos do poeta vão por escadas
Cheias de tremoços e de sentidos.
Há também comboios ao longe
E versos de Pessoa sobre Dinis

Cheira a café e a sal lusíadas
E está a multidão esperando o barco
À hora exacta de muito cedo.

A viagem do poeta desagua aí
Foto-silenciosa, com bilhete de ida -

É como se fosse natal
Perdidamente.

Ribeira de Pena, 07 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[O poema faz parte do meu livro Desapontamentos ds Dias, Coimbra, Ed. A Mar Arte, 1995. A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://atuleirus.weblog.com.]

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Estação Velha


Há noites em que o vento me traz
O barulho dos comboios a passar
Mais o silêncio dos comboios parados
Ao longe.

Adivinho no vento a vida
E os trilhos do norte e do sul
Do oeste e do leste. E outros
Que já não funcionam.

Se calhar, o barulho dos comboios no vento
Não existe. Serei eu imaginando
O barulho e o vento.

Mas eu sofro o silêncio e o barulho
Ditos no vento. Habita-me o medo
Dos comboios errados e dos trilhos
Eternamente perdidos -

No meu coração e no meu tempo choram
As pressas de todos os viajantes
E os sonhos de viagem e de sol.

Dou as palavras e o medo ao vento da noite.

Ribeira de Pena, 05 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[O poema faz parte do meu livro Desapontamentos dos Dias, Coimbra, Ed. A Mar Arte, 1995.]

Liga vs. Federação (nova versão)


O desconforto, finalmente tornado público, de José Durão Barroso face ao desprezo com que Alemanha e França tratam a Comissão Europeia, em matéria de grandes decisões, fez-me recordar um programa de televisão em que Valentim Loureiro contracenou maravilhosamente com Gilberto Madail. Recordo-vo-lo.
Gilberto Madail era presidente da Federação Portuguesa de Futebol; Valentim Loureiro era o presidente da Liga Portuguesa de Futebol. Hierarquicamente, Madail era superior de Loureiro. Na prática, Loureiro mandava em tudo quanto de importante se passava no futebol português.
[Parêntesis: hoje, por força de determinações da UEFA e da FIFA, a ordem "normal" das coisas está em vias de ser reposta...]
Em certo programa de televisão, Gilberto Madail queixava-se da falta de consideração do governo da altura que, dizia o presidente da Federação, não lhe ligava nenhuma. Com ar bonacheirão, Valentim Loureiro aconselhou então calma ao expoente federativo e assegurou-lhe que, poucos dias antes, havia tido importantes conversas com eméritos governantes, decisivas para solucionar os momentosos problemas do futebol em Portugal. Madail, humilhado, queixou-se amargamente de nada lhe haver sido comunicado (quer pelo governo, quer pelo major Valentim Loureiro). Generosamente, o presidente da Liga prometeu-lhe que, logo que tivesse tempo, lhe faria chegar a informação mais elevante sobre os assuntos tratados.
Ora, na actualidade europeia, percebe-se muito bem que Durão(?) Barroso faz de Gilberto Madail e a dupla Sarkozy/Merkel faz de Valentim Loureiro.
Paciência, senhor José.

Ribeira de Pena, 05 de Outubro (viva a República!) de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.caboraso.blogspot.com.]

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Biblioteca do Arco (desde Abril de 2006)


Quando, no dia 26 de Abril de 2007, a Biblioteca Municipal de Cabeceiras de Basto, denominada Biblioteca Dr. António Teixeira de Carvalho, foi inaugurada na vila do Arco, apresentei um momento de poesia e representação. O momento contou com a colaboração das minhas queridas ex-alunas Catarina e Patrícia.
Ao arrumar papéis, salvei do lixo dois textinhos escritos em verso. Falam de livros e amor (e de amor aos livros). Da minha vida, enfim.

1.

A Biblioteca do Arco
Fica ao cimo da paisagem
Há nela a forma de um barco
E nós somos a viagem.

Cada livro é marinheiro
Do mar que há na leitura
(Marinheiro verdadeiro
de pescar e de aventura).

Vai-se dos livros ao mundo
Como do cais à viagem
Não há mapa mais profundo
Que o mapa da linguagem.

Livro, veleiro breve
Batel, barca, nau de ser
Caravela que me leve
À Ilha de Conhecer.

Sou mapa, mar e sou nau,
Caminheiro voador -
Vou de livro até Macau!
Vou de livro ao meu amor!

É tão pertinho Macau.
É tão perto o meu amor.



2.

Era uma vez uma menina

Era uma vez um rapaz

Era uma vez uma coisa

Era uma vez tantas vezes

Era uma vez um lugar morto
onde não valia a pena contar histórias

Era uma vez eu

Era uma vez uma aventura impossível

Era uma vez a minha Avó contadora

Era uma vez a minha Mãe oferecendo(-se)-me
leite, mãos e histórias de crescermos

Era uma vez um livro

Era uma vez tantos livros

Era uma um tesouro

Era uma vez os nossos olhos sedentos

Era uma vez a sede do nosso raciocínio

Era uma vez a urgência de água para o coração

Era uma vez um rio de fantasia
morto se não corresse em nós

Era uma vez a luz

Era uma vez a escuridão

Era uma vez a luz vencendo a escuridão

Era uma vez a Palavra

Era uma vez o sentido luminoso das palavras

Era uma vez o açúcar e o limão das frases

Era uma vez um espelho por dentro dos nossos olhos

Era uma vez o aconchego de uma Mãe universal,
Literatura

Era uma vez uma história interminável
(com final feliz por não haver final)

Era uma vez uma história com frutos em vez de fim

Era uma vez uma Biblioteca

Era uma vez um tesouro de, por, em nós

Era uma vez um colo de vozes

Era uma vez o passado e o futuro
(era uma vez o presente)

Era uma vez uma menina

Era uma vez um rapaz

Era uma vez uma casa grande como uma Avó

Era uma um lugar próximo como mãos de Mãe

Era uma vez um caminho com praia ao fundo
(e Mar para lá do que se visse)

Era uma vez o Verão

Era uma vez Verão todos os dias

Era uma vez um livro

Era uma vez muitos livros

Era uma vez todos os livros
(era uma vez a escrita e a leitura)

Era uma vez Hoje.

Ribeira de Pena, 03 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

domingo, 2 de outubro de 2011

Portugal ordinário


Leio no CM (ed. de 02-10-2011): um aluno da Escola Secundária Alves Martins (Viseu), de nome Paulo Gonçalves, ganhou no Brasil uma medalha de bronze nas Olimpíadas de Química. Isto é, foi o terceiro melhor dos melhores do mundo naquela área do saber.O problema foi que, para representar o seu país, teve de descurar um pouco os estudos relativos aos exames finais do 12.º ano (2.ª fase) nas disciplinas de Biologia e de Físico-Química, situação que veio a redundar na impossibilidade de entrar em Medicina, como desejava. Obtendo "apenas" a média final de 17,7 valores, ficou a uma décima e meia de cumprir um honesto sonho de muitos anos. Aqui, reparai, foi tudo "legal", mas não me parece nada "justo".
Tratando-se de uma situação excepcional, dói-nos saber que o caso foi tratado de modo ordinário. ("Ordinário" fica muito bem neste enunciado.)

2. Um árbitro de futebol bastante medíocre (digo "medíocre" para não ser indelicado) chamado Bruno Paixão, que chegou misteriosamente a internacional, prejudicou hoje o Sporting Clube de Portugal de maneira obscena. Sem culpa do Vitória de Guimarães, que aqui apenas foi beneficiado por contingências de calendário (pois "outros valores mais altos se alevantam", decerto, nestes episódios tragicómicos), o cavalheiro do apito revelou dualidade de critérios, falhas grosseiras de julgamento, incapacidade técnica e física para acompanhar os lances. Num registo simpático e generoso, dele se poderá dizer que esteve ao seu nível habitual - um desastre.
O lado positivo de tudo isto está na dimensão formativa que o episódio compreende, se apreciado na ó[p]tica de Domingos Paciência: o treinador percebeu hoje por que se diz que um título ganho pelos leões corresponde, em Portugal, a quatro ou cinco dos outros. Quais outros? Perguntai ao senhor Bruno Paixão...

3. O que se aduz nos pontos 1. e 2. é uma sugestão de retrato - à vol d'oiseau - de um certo país que (ainda) somos: conservador no pior sentido, descuidado, avesso ao mérito, impreparado, ingrato, injusto. Às vezes, irrespirável. Sejamos, contudo, o[p]timistas: o Paulo Gonçalves lá entrou para Ciências Farmacêuticas (na Covilhã) e não desistiu de, mais tarde, voltar a tentar uma candidatura a Medicina. E o Sporting, apesar de tudo, não está senão a três pontos do primeiro lugar...

Ribeira de Pena, 02 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.abola.pt.]

Lote 13, 3.º U


Moro num terceiro andar urbano
Alugado e moderno quanto baste
Com janelas para a estrada
E para as estrelas.

Às vezes, no silêncio da noite,
Enquanto planifico os dias ou preparo
Competentes documentos
Ouço derrapagens e choques.

Então, vou à janela
E vejo os actores dos acidentes
Mais os cenários e os espectadores.

A maior parte das vezes não há
Acidente. Quase sempre há estrelas
Juntas e colorindo o teu nome.

Ribeira de Pena, 02 de Outubtro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Este poema faz parte do meu livro Desapontamentos dos Dias, Coimbra, Ed. A Mar rte, 1995. A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.rr.sapo.pt.]

sábado, 1 de outubro de 2011

Falta


Faz-me falta o mar
E uma gaivota sobre o livro
E a solidão voluntária
De ver o mar e a gaivota
E a solidão voluntária

Fazes-me falta. O mar
Absoluto e longínquo
É aqui dentro
E todas as partes são tristes

Fazes o mar. Não existes
Senão pelas gaivotas azuis
Da escrita. Não existes
Para além de fazeres falta

O mar invade as portas
E a solidão voluntária e castanha
Não há barcos e não há gaivotas
Está um livro fechado
Dentro de mim.

Ribeira de Pena, 01 de Outubro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[O poema faz parte do meu livro Desapontamentos dos Dias, Coimbra, Ed. A Mar Arte, 1995.]