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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Milagre nos Andes


Ouvi, pela segunda vez, no passado dia 17 de Agosto, na TSF, uma entrevista de Carlos Vaz Marques a Nando Parrado, o autor de Milagre nos Andes (Ed. Casa das Letras). O livro consiste sobretudo no relato de acontecimentos verídicos, vividos pelo entrevistado e por mais quarenta e quatro outros passageiros do avião Fairchild, da Força Aérea Uruguaia, em 1972. Na viagem – com destino ao Chile - seguia uma equipa de râguebi (da qual fazia parte Nando Parrado) que iria jogar uma partida amistosa com uma formação chilena. O avião despenhou-se na vasta zona dos Andes. Vinte e nove almas sobreviveriam à queda e, mais tarde, dezasseis apenas seriam finalmente resgatados de um lugar remoto.
Parrado, na sequência da queda do avião, ficou três dias inconsciente, com o crânio estilhaçado, mas sobreviveu. Como os seus companheiros de infortúnio, resistiu a ferimentos, cansaço, frio (temperaturas de trinta graus negativos), fome, solidão, desespero. Ele próprio encetou uma jornada, que durou dias, até encontrar alguém que enfim contactasse entidades de salvamento. Setenta e dois dias depois do início da tragédia, dezasseis almas, já dadas como oficialmente mortas, regressaram vivas ao mundo dos vivos.
Nando Parrado, sobre a ideia de morrer, explica que o desaparecimento de um homem não altera em quase nada o curso do mundo. Com simplicidade desconcertante, explicou que o regresso à sua terra ocorreu depois de haverem sido rezadas várias missas por sua alma, e que essa circunstância lhe permitira perceber, em concreto, o que se passava depois do nosso próprio passamento. Cito de cor:
“Que se passa quando morremos? Não se passa nada. Não acontece nada. Cães andam pelo jardim, táxis fazem serviços, meninos brincam, homens e mulheres trabalham, raparigas conversam à entrada de um Café, etc. Não acontece nada de diferente. Tudo continua igual.”
A ideia encerra uma óbvia lição. Por exemplo, não nos tomarmos demasiado a sério enquanto vivos; termos consciência da nossa finitude e efemeridade; prevenirmo-nos contra a vaidade e a glória (sempre) fugaz.
Mas eu, que ainda não pude morrer e voltar, tenho uma experiência igualmente profunda que acrescenta algo ao tema. Digo-vo-la: já vi partir gente querida, próxima, insubstituível - e essas pessoas fazem-me, todos os dias, falta.
De modo que, Nando Parrado, vista a coisa do lugar onde (ainda) me encontro, algo se passa quando alguém desaparece. Muitas vezes, tudo.

Coimbra, 18 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

6 comentários:

Anónimo disse...

Se não me engano foi Séneca quem disse algo parecido com isto: só somos verdadeiramente felizes a partir do dia em que sabemos que vamos morrer.
Tal como Séneca, penso que quando aceitamos que o fim é inevitável, começamos a viver realmente a vida.
Este comentário não tem propriamente a ver com o post, mas sim com todos os posts onde se fala de fins. Há por essa casa poucos recomeços!

AGM

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Cara Amiga,

Se os meus enunciados dão essa ideia, algo neles falhou...
Há nesta casa tantos recomeços!

Paulo Pinto disse...

Quando vi o título do post, julguei que te referias à vitória dos sub-20 sobre a França lá em Medellín. Ah ah ah...
Quanto à odisseia daqueles homens, já vi documentários na tv sobre o caso e é, de facto, arrepiante. Não se sai a mesma pessoa de uma provação dessas. Dá para pensar como é que cada um de nós se comportaria numa situação-limite desse tipo...

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Guardamos o título também para sábado. Utilizá-lo-emos novamente se o nosso Portugal operário bater o Brasil dos artistas. Abraço!

Anónimo disse...

Muito provavelmente foi a minha leitura que falhou!

beijinhos

AGM

PS. Vou ter um recomeço e mais um pouco de eternidade daqui a 6 meses. Chama-se Neto/a.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Querida Amiga, parabéns!

[Tenho a ideia de que interpretas/vives o Tempo do modo mais sábio e feliz. Eu tento também chegar "aí", mas comigo o processo é menos pacífico...]

Beijinho.