domingo, 7 de agosto de 2011
Feios, Porcos e Maus
Passou, uma vez mais, na RTP2 o filme Feio, Porcos e Maus, de Ettore Scola. Um grande filme, sem dúvida. Durante cerca de duas horas, desfila à nossa frente um cortejo de miséria e degradação. Interessante (e até bizarro) é percebermos, na narrativa, a simultaneidade de duas dimensões contrárias: a tragédia e a cómédia. Parece um paradoxo isto de um espectador sóbrio se rir das misérias da condição humana. Questão: por que rimos nós, então, perante uma tão cruel representação da indignidade?
Em entrevista à Sic, Eduardo Lourenço cita Baudelaire lembrando que o riso é uma forma de resistência. Por alguns momentos, em vez de lamentarmos a fragilidade da condição humana, aceitamo-la alegremente como parte desta identidade que somos. E rindo nos distanciamos, por zigomáticos instantes, da fatalidade do nosso destino mortal. Isto mesmo acontece com Feios, Porcos e Maus.
Mas o filme de Scola não deixa de ser uma séria e dolorosa visão desta terrível desumanidade que o mundo moderno (ainda) compreende. No final da película, atravessando a manhã da periferia romana, uma menina de (talvez) nove-dez anos, carrega dois garrafões e um balde. Como faz todos os dias, vai buscar água para a barraca onde vive a família. O bairro da lata desperta vagarosamente, numa rotina sans cesse: operários promíscuos cruzam-se com putas conspícuas e ladrões iníquos; domésticas aliviam a bexiga e desempregados dão vazão à testosterona; adolescentes e matronas tratam da higiene pessoal, acendendo vontades incestuosas; uma velha avó espera que a televisão comece a transmitir; etc.
A menina, do alto do planalto, olha a cidade dos outros. Já a tínhamos visto muito inocente e virginal no início da história. Mas agora está grávida, a menina. Não nos rimos.
Coimbra. 07 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.]
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1 comentário:
Belo texto. Foi com esse olhar que também vi o filme.
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