Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

terça-feira, 22 de maio de 2012

Escrito a Norte


No Verão de 1980, o Clube de Futebol União de Coimbra estava no Algarve, em Lagos, para um torneio de futebol. No primeiro dia, empatámos 1-1 e eu fiz um grande jogo. À noite, meio acordado, meio a sonhar com o meu futuro brilhante, andei por aquela cidade tão cosmopolita com o Lobo, o Bonacho, o Marroni, talvez o Januário, todos com aquele espanto de que só as crianças e os provincianos gloriosamente são capazes.
Numa festa à entrada de um hotel, vi certa loira muito linda, provavelmente alemã, a dizer (em inglês) a um macho luso que não poderia sair, oh my darling, porque o marido estava just there. Vi um casal quarentão (mais jovens, ambos, do que eu agora, altos, talvez americanos) dançando no cais uma melodia que, ali, mal se ouvia, sem ninguém à volta senão o adolescente encantado à espera do dia certo para escrever sobre a coisa vista. Vi um pescador bastante velho a vomitar num muro da marginal. Vi o meu treinador, o senhor Pinho, numa larga esplanada, a rir-se de uma anedota do director Sarmento. Vi meninas portuguesas e estrangeiras tão bonitas como as mais belas actrizes  que eu conhecia só do cinema e dos sonhos (a preto e branco ou a cores). Vi gajos maricas e senhoras trintonas interrogando-me, com os olhos, sobre a disponibilidade para alguma aventura de rápida carne.
O mar de Lagos sentia-se à roda, mais do que se via. Estava um calor bom de Verão bom. Houve só, por segundos, esse pormenor de muito ao longe algum relógio d'igreja bater as horas. Mas havia festa por todo o lado e eu era tão jovem, tão brilhante, tão cheio de esperanças - que não poderia adivinhar o outro lado daquilo: o estar, trinta e dois anos depois, escrevendo sobre a falta que me faz Lagos, isto é, esse exacto tempo e esse exacto lugar da minha muito amada juventude.
Na manhã seguinte, mal dormidos, ganhámos a final (golo, creio, do Moinhos) e, no regresso, prometi a mim próprio que, mal me reformasse do futebol, aplicaria parte da fortuna ganha na aquisição de casa junto à praia, naquele cantinho do Algarve que afinal ficou, para sempre, demasiado a Sul de mim.

Ribeira de Pena, 21 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (foto de Lagos) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.barlionheart.com/.]

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