Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

domingo, 27 de junho de 2010

Avô e luz


O meu avô António tinha a mania dos candeeiros. Nenhum objecto estava livre de, por suas mãos, se tornar numa fonte de luz.
Talvez na Pedrulha houvesse quem nesta mania visse a prova provada da senil doidice. Outros, mais ingénuos, murmurariam sobre o génio criador do velho.
Eu, que estive tantas vezes junto dele até o perder, sei que se tratava sobretudo de uma questão de tempo e de dignidade: o meu avô queria ocupar as horas reformadas de forma útil e entretinha-se assim.
Entreter, como entretecer, é verbo lindo: entre-ter; ter entre; entre-tecer; tecer entre.
António dos Reis Mateus, pai de minha mãe Delfina, fazia candeeiros entre horas. Isto é, tecia luminosamente as horas que (ainda) tinha, entre todas as suas manhãs e a noite final.
Eu dou por mim à escrita, muitas vezes, como quem faz candeeiros. Nem senil, nem génio. Isto só: precoce avô do mundo, dignamente derrotado pelo tempo.

Ribeira de Pena, 27 de Junho de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho

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