Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sábado, 9 de março de 2013

Esperar o Verão, se houver

Levanto-me e sinto nos ossos o mesmo frio de ontem. Espreito a rua fronteira: chuva.
Cansa esta meteorologia austera. Desejo profundamente o sol. Mais: desejo profundamente o Verão, esse devir que já mereço, talvez, após tanta tristeza calendária.
Tenho muitas saudades das manhãs muito claras. Do calor excessivo que nos desperta as sedes e as gulas de víveres e amores. Da música alegre e das mangas arregaçadas. Dos vestidos leves e curtos que, em hipermercados e centros comerciais, sugerem nudezes secretas e próximas. Das múltiplas cores que os dias oferecem, como feiras gaiteiras, para ver e ser. Tenho muitas saudades do Verão.
Tem sido um tempo difícil, este tempo anterior ao Sol.
A minha biografia está sujeita aos ditames indignos da mercearia. Sou, como tantos contemporâneos amáveis, obrigado a aturar, a troco de euros funcionários, a mediocridade governante; os maus modos dos poderosos contextuais (que me exigem obediência ou recato); a má gramática de quem (apesar desse furúnculo vergonhoso) fala grosso e demasiado para cima de mim; a perda de esperança que testemunho nos cafés, nas ruas, nas escolas, nas casas dos portugueses; o desconforto de (ter de) conviver com merda em vez de inteligência e sensibilidade; a pena de os meus alunos terem futuro sem Verão; a dor de a cultura e a arte estarem (por toda a parte, meu Deus, por toda a parte!) às mãos de compadrios partidários e paroquiais; a tortura de o Inverno ter talvez aqui ficado para sempre.

O Verão, senhores. Estou só à espera do Verão.


Ribeira de Pena, 09 de Março de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (da formosa série "Verão Azul") foi colhida - com a devida vénia - em http://www.portugalseries.net.]

4 comentários:

Anónimo disse...

Li, num livro de Mia Couto, um dito que - se não estou em erro - diz "chaminé que construísse em minha casa não seria para sair o fumo, mas para entrar o sol."
Quando o sol não existe, eu invento-o e, assim, sobrevivo melhor ao Inverno. Inventando o sol, a espera pelo Verão torna-se menos dolorosa.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Muito justo e muito bonito, caro(a) Amigo(a)! Obrigado pela visita.

luisinho disse...

caro professor,
Antes de mais parabéns pelo blog. Os seus textos são deliciosos, onde a critica mordaz e o sentido de revolta pelo estado em que se encontra o nosso país é bem notório. O sol e o verão há muito que nos foi tirado e este estado de invernia que nos tormenta e nos mantém num estado de depressão profunda e contínua fazem com que pelo menos as palavras sábias e saudáveis de quem sabe pensar nos fazem bem a alma e ao espírito. Bem haja professor por tudo. abraço

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Abraço cúmplice & gratidão, caro Domingos!