Bússola do Muito Mar

Endereço para achamento

jjorgecarvalho@hotmail.com

Número de Ondas

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Solilóquio de Penélope aborrecida


Às vezes, o fim de uma coisa é o princípio de mais nada. Às vezes, o caminho é não haver caminho. Às vezes, o dia nasce com cara já de noite. Às vezes, a vida é uma estrada triste e sem saída. Às vezes, o sol emigra para longe e morre. Às vezes, o princípio assemelha-se muito ao começo do fim. Às vezes, a esperança cansa-se de esperar. Às vezes, à falta de um olá, dizemos Adeus. Às vezes, à falta de chegar, partimos. Às vezes, sucede a desistência à resistência. Às vezes, perde-se o jogo por falta de comparência. Às vezes, falta um mar ao barco. Às vezes, cegamos em vez de olharmos. Às vezes, não existes. Às vezes, não existo. Às vezes, os lobos trocam os uivos pela resignação. Às vezes, a noite parece uma despensa açambarcando para sempre o sol. Às vezes, Telémaco é Ulisses repetido. Às vezes, há mar & mar e não há voltar. Às vezes, acontece a última vez. Às vezes, o futuro é um pássaro velho com a doença de Parkinson. Às vezes, o rio da minha aldeia interrompe o curso e desteimosamente morre. Às vezes, tudo o que falta é já demasiado longe. Às vezes, a pena não vale a pena. Às vezes, a viagem é uma coisa estrangeira visitando-nos. Às vezes, somos visitados por nada em vez de visitantes de muito. Às vezes, em vez de estrelas há setas brilhantes indicando o inferno. Às vezes, as flores secam por não se acreditar nelas. Às vezes, mais valia que o cabrão do galo se esquecesse de cantar. Às vezes, basta.


Coimbra, 20 de Julho de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho

Sem comentários: