quinta-feira, 1 de julho de 2010
Coisa Chamada Presente
É, ai de nós, pequeno o tempo que a vida nos dá. Não apenas esse tempo que se mede em anos, meses, dias, horas, mas o outro – o dos séculos anteriores e posteriores a nós.
Eu sinto em mim a sede dessa água que não cabe nos limites da canalização contemporânea. Também se morre da sede de passados e de futuros.
Descubro parte disto que me falta olhando coisas-símbolo à volta: um livro, uma casa, um barco, uma fotografia, uma estátua, uma carta, um pai, uma mãe, uma tia, um sogro, um cunhado, um amigo da segunda classe, uma avó, uma moeda fora de circulação (num frasco de café sem café, mas cheirando ainda a café), uma lenda, uma canção, um sonho, uma efeméride, uma praia, um cromo, uma garrafa de licor caseiro, uma rua, um nome, um provérbio, uma estatística, uma lápide, uma árvore, um rio, uma capa de estudante, um medicamento novo, um vulcão velho, uma doença recente, uma dança antiga, uma tecnologia de vanguarda, uma charrua, um caroço talvez semente, uma filha, sete sobrinhos, uma cadela, um verso meu num caderno adolescente do século XXII, uma cidade outra desta que hoje chamo minha, a noite, o sol.
Sim, vejo muito bem, no meu presente tão deficitário, tudo isto ou a sua ausência.
Cansa-me, por isso, a pobreza de um presente assim tão virado para o próprio umbigo. O presente assim é apenas um instante de espuma. O presente assim não basta.
O presente tem de ser mais que a pobre aparência deste presente.
E se, amigos, viésseis comigo ao passado e ao futuro, perceberíeis decerto melhor esta verdade que aqui, no presente, vos deixo.
Ribeira de Pena, 01 de Julho de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[Nota: Este texto foi escrito, em Maio, para o 2.º número do jornal "Arco-Íris", neste ano lectivo de 2009/2010. A foto-supra foi colhida - com a devida vénia - em http://www.forumcoimbra.com.]
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