O hipermercado tem cinco caixas em funcionamento. Uma delas (a número quatro)
destina-se unicamente a quem não tem mais do que dez itens. É para essa que se
dirige um rapaz, pretendendo pagar as lâminas e o gel para a barba que acabou
de comprar. À sua frente está um sexagenário com um carrinho repleto de
produtos, esperando também a sua vez. O rapaz põe-se a contar mentalmente os
bens que o homem se prepara para saldar: melão, sal, pasta dentífrica,
guardanapos, vinho, água, fiambre, manteiga, gelado, ervilhas, uns chinelos de
praia…
- Doze coisas – conclui.
Dirige-se ao cliente que o precede na fila, de forma educada, mas também
assertiva:
- Só pode vir para esta caixa se não tiver mais que dez produtos.
O interpelado nem quer acreditar na interpelação. Vocifera:
- Eu não levo aqui mais que dez produtos!
O rapaz, apontando para o carrinho de compras, começa a contar em voz
alta:
- Fruta, um; sal, dois; pasta dentífrica, três…
- Mas o que é isto?! – explode o visado. – Você está a controlar o que
eu compro ou deixo de comprar?! Nunca ouviu falar em invasão de
privacidade?!...
Segue-se uma demorada e agressiva discussão, que se estende a
funcionários do hipermercado e a outros clientes (dessa e das outras filas). A
menina da caixa quatro, que apenas quer prosseguir o seu trabalho e já
manifestou a sua compreensão pelos argumentos das duas facções, suspira e
murmura:
- Valha-me Jesus Cristo!
E foi então que sobre o chão do estabelecimento comercial desce o
Filho de Deus.
- Em verdade vos digo, irmãos, que tendes ambos razão, mas igualmente
que sois culpados de três grandes pecados: tolerar mal as imperfeições alheias,
não admitir erros próprios e sobretudo perder tempo com futilidades. Palavra do
Senhor.
- Graças a Deus – remata a funcionária da caixa, recomeçando enfim o
seu labor.
Machico, 12
de Agosto de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a
devida vénia, em http://www.radioregional.pt.]
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