sexta-feira, 30 de março de 2012
Consulta para ver se está tudo bem
Porto, manhã, um dia destes.
Um homem e uma mulher à roda dos quarenta anos (talvez mais). Rostos - ambos - pálidos, ombros humildemente encolhidos, diálogo múrmuro, às vezes uma discreta carícia (dele, nela), às vezes uma espécie de suspiro lamentoso (nela, também nele). Em redor, outros rostos, outras humildades acabrunhadas, outros silentes esgares de medo ou (talvez, talvez) de esperança. Algumas batas perambulam - azuis, brancas, verdes: são, ali, a autoridade e, ao contrário do rebanho expectante, falam alto, riem-se, utilizam muito o sufixo inho (entre si e com os outros): um jeitinho, um instantinho, um lugarzinho, coitadinho, porreirinho. Roufenha, uma voz feminina interrompe a praça da alegria (RTP 1) e anuncia nomes próprios, especialidades, salas de consulta. É subitamente a vez da mulher de quarenta (talvez mais) anos. Levanta-se e, atrás de si, o homem. Rostos agora transparentes, os de ambos, como se um mesmo susto pudesse ter duas caras. Os ombros mordendo o pescoço, os passos trôpegos (mas obedientes, rápidos), ainda uma carícia (dele, nela) e de novo um lamento em forma de hausto mínimo (dela, talvez também dele). O médico lê vagarosamente um, dois, três relatórios. Leva uma radiografia ao néon da parede, toma apontamentos, põe os óculos, diz que está tudo bem e marca nova consulta. A mulher e o homem agradecem (ao médico, não bem ao médico) a graça concedida, carimbam uma espécie de caderneta no balcão de atendimento, saem para o sol. Há outra vez sangue residindo em seus frágeis rostos, os ombros de ambos distendem-se, dão-se as mãos, riem-se mesmo agora de certo transeunte que vitupera, na rua, um inimigo invisível. Vão tomar café, vivos (ele, ela, o par).
Quer-se dizer: é mais leve o presente, irmãos, quando nele sobrevive a possibilidade de futuro.
Coimbra, 30 de Março de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.elmundo.es.]
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