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Número de Ondas

domingo, 3 de julho de 2011

Para Sempre


Fim de semana a trabalhar com grelhas, legislação, apontamentos cheios de percentagens e de merdas para ponderar. Interrompo, por razões de sanidade física e mental, a burocracia kafkiana da avaliação do desempenho de docentes e volto à (re)leitura de um grande romance de Vergílio Ferreira, pouco celebrado embora, o Para Sempre (Lisboa, Bertrand Editora, 1996).
A Beleza reentra na minha vida, naturalmente. Falando da figura amada, sujeita como todos ao fascismo do envelhecimento, o narrador escreve (na página 46) a fidelidade da admiração essencial:
«[és] um ser plausível dentro da tua corrupção.»


E falando do mágico período da sua (como da nossa) meninice, escreve (na página 47):
«[...] liberdade, como a alegria, no exacto momento da infância, que é quando o mundo começa a existir e o dever não foi ainda inventado.»


E falando da pobreza do quotidiano humano quando despido da memória, dos sonhos, do Amor, escreve (na página 56):
«Que pulha a realidade.»


Voltarei, daqui a pouco, à corrupção implausível da minha vidinha funcionária. O monstro da avaliação docente permaneceu, para vergonha de quem nos prometeu que não. Trabalho sem liberdade nem alegria porque não tenho outro remédio. Que pulha, Vergílio, a realidade!

Ribeira de Pena, 03 de Julho de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

2 comentários:

Paulo Pinto disse...

Hoje, após uma tempestuosa reunião de 4 horas a discutir pormenores do monstro e a ponderar muitas dessas merdas, fui comprar uns acessórios para torneiras e o meu interlocutor perguntou se o jardim me dava muito trabalho, muita rega, relva para cortar, árvores para podar, etc. Que sim, é complicado, é preciso tempo e muito trabalho, e tal, às vezes fica penoso... Então falou-se de uma outra família, de 4 pessoas como a minha, que tem o triplo do terreno que eu tenho. E eu disse que, quando avisto os terrenos dessa família, sabendo que são eles que tratam de tudo, me dá sempre um arrepio: coitados, como lhes deve custar tratar disto tudo!
Imagino que um espírito apaixonado, amante da poesia, leitor e escritor compulsivo, encare a «pulha da realidade» (quero dizer, estes inúteis e fúteis pentelhos catroguianos da realidade) com ainda muito mais repulsa e incomodidade do que a alguém com inclinações mais prosaicas como eu. Pode ser que o sistema mude, ou antes, terá que mudar mesmo se a ideia for pôr as escolas a ensinar os alunos.
Um abraço solidário.

Anónimo disse...

Caro Paulo,

a tua parábola dá-me jeito para argumentar. Essa família com o triplo do terreno que tens é capaz de tratar (bem, suponho) de tudo quanto tem a seu cargo porque, antes-durante-depois, não está ocupada com o fascismo de bur(r)ocracias fúteis-inúteis-ladras do tempo e da sanidade mental!

A minha "poesia" é, pois, igualzinha à tua, neste caso: é PROFISSIONAL, no sentido ético (e "apaixonado", sim) que o adjectivo tem.

Abraço!