Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sexta-feira, 1 de junho de 2018

ZONA DE PERECÍVEIS (139)


Rugido leonino

As primeiras páginas dos jornais não enganam: o Sporting Clube de Portugal é a notícia. Infelizmente, não por bons motivos. O meu clube especializou-se, nas últimas décadas, na delicada arte da autofagia - e agora, de escândalo em escândalo, serve-se no prato cínico dos adversários e dos inimigos figadais. De alegadas trafulhices – do meu clube ou de outros - não falo enquanto se justificar a civilizada presunção da inocência. Refiro-me tão-só aos sucessivos terramotos que a direcção sportinguista vem fabricando de forma (digamos assim) incontinente.
No olho do tufão, aparece Bruno de Carvalho, espécie de Rei-Sol da loja dos trezentos. Vejo-o estrebuchando na pantalha mediática, naquele papel épico-pícaro de herói mortinho por se tornar imortal, querendo defrontar tudo & todos, cheio de raiva e de presunção. De tão primário, o seu discurso chega a ser comovente: ele vê-se como o génio que mais ninguém consegue ver; ele é a vítima e todos os outros são vilões; ele faz o favor de existir e o injusto mundo ignora-o ou não lhe canta as loas que merece.
Não (lhe) sou ingrato, note-se: o homem, com esta mesma truculência que agora mais nos enoja, foi o bem-vindo ruído que interrompeu a tranquilidade do monopólio vermelho/azul & branco. Veio dar um murro na mesa desta pasmaceira nacional e lembrou que o Sporting existia e que exigia respeito. Revolucionou a dinâmica das modalidades do clube. Inventou soluções financeiras. Entrou no mui dificultoso mercado das grandes transferências futebolísticas. Injectou na turba leonina um significativo reforço de auto-estima e, em consequência, reencheu Alvalade. Ergueu o pavilhão João Rocha, infra-estrutura que vergonhosamente se adiara por décadas.
Depois, ai de nós, veio a inevitabilidade da natureza. Os traços de carácter do indivíduo estavam há muito latentes: como uma bomba-relógio, víamos aqui e ali assomos de megalomania, auto-deslumbramento, intolerância, vaidade exponencial, tiques ditatoriais. Tudo desculpável ou relativizável, à luz da psicologia das massas, se o clube fosse ganhando e o monstruoso ego presidencial não degradasse a gestão desportiva e económica da instituição. Veio a confirmar-se que Bruno de Carvalho está perdidamente apaixonado por si próprio e que, como os antigos filosofaram ou cantaram em verso, “o amor é cego”.
A cegueira de Bruno de Carvalho conseguiu o milagre de chocar alguns milhões que, antes, o defendiam galhardamente. Num ápice, o crédito de estima e popularidade deveio falência de confiança e desespero. Ao coro (desprezível) do inimigo juntou-se infelizmente a voz de sócios e adeptos.
Dizem-me que Bruno de Carvalho precisa do Sporting para sobreviver. Não no sentido poético, diga-se, mas no do venal salário, no do (seu) equilíbrio doméstico, no da sua circunstância social. Lamento-o. Mas isso não é, do lugar de onde olho para a situação, o mais importante. É da vida do Sporting que se tem de falar. Se Bruno de Carvalho quiser mesmo contribuir para o sucesso do Sporting, de forma objectiva e desinteressada, a atitude a tomar é óbvia – demitir-se. Ele próprio já lembrou que os jogadores vêm e vão, que os treinadores vêm e vão. Certo. Falta-lhe dizer que com os presidentes se passa o mesmo – e que é chegada a hora de sair da frente para não estorvar o futuro.
Porque o futuro urge. O futuro ruge. 

Coimbra, 26 de Maio de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 31-05-2018. A imagem foi colhida, com a devida vénia, em https://www.youtube.com.]

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