Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

terça-feira, 26 de junho de 2018

ZONA DE PERECÍVEIS (141)


Sobre a luta dos professores 

Dei por mim a discutir, na sala de professores, no final de uma tarde longa e trabalhosa, a bondade da luta encetada pelos sindicatos de professores nos últimos tempos. Novidade: eu, que sou sindicalizado desde a minha primeira semana na profissão (há já uns bons 33 anos), pus em causa o argumentário anti-governo que tem sido propalado pelos representantes da classe docente. 
Ponto de ordem: estou completamente solidário com a ideia-base destas reivindicações mais recentes, nomeadamente a que defende a contagem integral do tempo de serviço perdido nos últimos (quase) dez anos. Mas a exigência, entretanto matizada, graças a Deus, de uma contagem imediata do tempo perdido já me pareceu excessiva e irrealista. Sim, os professores são uma classe fundamental para o funcionamento normal de uma sociedade moderna e para a construção de um futuro mais capaz, mais digno e mais livre. Mas não são, do ponto de vista das finanças públicas, uma ilha. Não caem os parentes na lama aos sindicatos se, na sua luta, tiverem em conta as reais possibilidade do Estado. 
Para os precipitados que leiam nesta opinião uma canina fidelidade ao governo de Costa, esclareço: sou um livre-pensador, sem outra militância que a da liberdade. Mas apetece-me, aqui, separar as águas, menos por gratidão que por simples sensatez. Foi este governo quem me devolveu rendimentos que outros tiraram; quem me livrou da sobretaxa sanguessuga; quem expressamente preferiu a Escola Pública à Privada; quem descongelou carreiras. Não me parece, senhores, currículo de somenos. 
Já agora: ao longo de quase dez anos, nunca ouvi um colega a verbalizar em público a reivindicação da contagem integral do tempo de serviço “congelado”, para efeitos de progressão na carreira. O que se escutava amiúde era o desejo – desesperado – de receber os subsídios (nem que fosse apenas um; nem que fosse apenas metade); ou o de recuperar a possibilidade de um vencimento sem cortes nem sobretaxas; ou o de finalmente ver o tempo de serviço a contar para se progredir nos escalões… 
Por outro lado, é evidente que o governo não pode autorizar alguns ministérios a conceder a recuperação integral do tempo congelado e impedir outros de igual prática, como infelizmente (e desastradamente) aconteceu. O que me parece razoável é propor um modelo faseado, ao longo de seis-sete anos, em que os maiores prejudicados pelo congelamento do tempo perdido sejam ressarcidos, por exemplo com a diminuição dos anos de permanência nos escalões ou com a aceleração no acesso à reforma. Tenho colegas (dedicados, assíduos, competentes, exemplares até) que sem este tempo contado nunca chegarão ao décimo escalão. E há colegas contratados que sem este tempo vêem adiada para as calendas a sua entrada efectiva na carreira. Não deve ser assi, Não pode ser assim. 
Para terminar: enojam-me as virgens ofendidas que maldosamente colocam em Tiago Brandão Rodrigues as culpas de tudo o que professores sofreram e estão a sofrer. Certa direita, que odeia sindicatos e não sabe o que é pagar-lhes quotas, quer que Mário Nogueira seja mais exigente e mais assertivo. Em última análise, esta direita sonha com a queda do governo. Do ponto de vista de alguns docentes, creio mesmo que tal queda poderia configurar uma espécie de justiça poética: se o governo de Costa caísse, viriam outros (não exactamente novos) tempos; e com Assunção Cristas, por exemplo, outros actores tomariam o palco para tomar decisões. É isso que querem? 

Coimbra, 09 de Junho de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 14 de Junho de 2018. A imagem (uma ponte, pois claro) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.pngtree.com.]

1 comentário:

Paulo Pinto disse...

Assino por baixo. Custa-me, num momento em que sabemos que a situação económica e financeira está bem melhor mas longe de ser desafogada (não só pela dívida acumulada, mas também pela incerteza sobre os tempos mais austeros que seguramente voltarão), em que já recuperámos alguma coisa e há vontade política de continuar nessa senda, e também quando se impõem enormes investimentos na saúde e na revitalização do interior para prevenir a desertificação e as catástrofes de Verão (para só falar nessas duas tarefas inadiáveis e que beneficiam o País na sua totalidade), custa-me, digo, que reivindicações justas mas pouco realistas dêem de nós uma imagem de egoísmo de classe. Também me custa, por outro lado, a postura dominante nos principais partidos políticos: os que governam a deturpar números e realidades de modo a manipularem a opinião pública contra os docentes; os que dizem apoiar quem governa a empurrar os professores para a frente e a borrifar-se para as consequências que nunca serão eles a ter de remediar; os da oposição com o discurso cínico de pôr tudo ao barulho para daí tirar proveito eleitoral. Apetece a gente meter-se num buraco e esperar que o bom senso milagrosamente triunfe. Portugal tem mesmo de ganhar ao Uruguai.