Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

domingo, 8 de julho de 2012

Ensaio da inquietação


“Cantanhede, Cantanhede
Tenho sede de aprender
A lição da Novidade
(A lição da Novidade).
Dá-me sede, Cantanhede,
De aprender e de ser
Cidadão da Liberdade
(Cidadão da Liberdade,
Cidadãos da Liberdade)!”

1. Este texto abre com uma epígrafe, como repararam: trata-se do refrão do hino da Escola Secundária de Cantanhede (letra minha, música do colega Aurélio Malva). Segue-se, com vossa licença, uma historieta, que não é minha e – pior – de que nem sei a exacta fonte. Ouvi-a há muito tempo, talvez nos tempos de liceu ou faculdade; reouvi-a há umas duas semanas na rádio, em viagem de automóvel entre Arco de Baúlhe e Ribeira de Pena, glosada por um romancista português pouco conhecido (Afonso Cruz) à conversa com Carlos Vaz Marques, da TSF. Historieta boa, atentai.
2. Uma criança vê, por longos minutos, um escultor a trabalhar, percebendo que do labor esculpido na pedra vai resultando uma forma reconhecível, viva, amável. Volta-se para o seu pai e pergunta-lhe: “Papá, como sabia o senhor artista que, debaixo da pedra, estava um cavalo?
3. A parábola serve para uma inteira biblioteca de interpretações, mas fico-me por esta: o artista busca no todo a parte que interessa, isto é, resgata do caos um pedaço essencial, valioso, significativo de cosmos. Acrescento: a arte é o fruto do trabalho sobre o real, ofício levado a cabo com a imaginação adequada e com aquela pulsão do belo que preside a todo o acto criador.
4. Quero que isto tenha algo a ver com a Escola. Com a nossa Escola. Com Cantanhede, bem entendido, que é a pátria deste formoso boletim. Mas também com a Escola Pública em geral, esse território em que, avulsos e díspares, nos reunimos em busca de um objectivo comum e consensual: a educação dos nossos alunos, a partilha de conhecimentos, a descoberta de competências, a preparação (tanto quanto possível, justa e virtuosa) do futuro.
5. Vivem-se tempos difíceis. Temo, com muitas razões para esta amargura, que a Escola esteja em vias de extinção. Escola, percebei, como nós (românticos até à medula) a entendemos, a entendíamos. A fúria da poupança orçamental comporta o perigo de confundirmos ideais por que pugnámos nas últimas décadas com alguma substância acessória e descartável. Estou a falar, sobretudo, de cultura. Estou a reagir, por instantes, à nova estrutura curricular prevista para o ensino básico e secundário que deixa ao livre arbítrio dos estabelecimentos de ensino a existência de Educação Artística. E estou a falar também do insuportável aumento do número máximo de alunos por turma (até 30!) que tornará impossível, por exemplo, a aprendizagem séria de uma língua estrangeira.
6. Creio que uma Escola Pública de qualidade, a única que justifica o investimento sério do Estado, precisa de não ter medo nem vergonha de gastar – i.e., de investir - muito dinheiro nos recursos humanos e materiais que a tornam possível e digna. E defendo que a organização da Escola nada ganhará com uma reforma que, para cortar alguma despesa, extinga experiências educativas de sucesso, fundindo/confundindo arbitrariamente escolas (e assim ferindo de morte a identidade de lugares, pessoas, projectos), reduzindo a grandeza da aposta nas bibliotecas, tornando as reuniões de qualquer médio departamento num concílio cheio de magno e semiótico ruído, etc.
7. Os mega-agrupamentos são, em meu entender, a face visível de alguma ferocidade tecnocrática do presente, que lê o mundo pelos óculos merceeiros do deve e haver, com inevitável défice de sensibilidade e bom senso. Não se trata sequer de um problema deste governo; é outrossim de vários governos ao longo da história, semelhantes na arte de ignorar opiniões, estudos e conselhos de quem sabe alguma coisa de educação (professores, por exemplo).
8. Um dia destes completarei trinta anos de profissão. O que mantenho de romântico é a fé no futuro e a convicção – inamovível – com que, aula após aula, projecto após projecto, actividade após actividade, trato bem (d)os meus alunos. No pequeno universo de que ainda disponho para ser professor, vou procurando contagiá-los com a minha paixão pelo Conhecimento, pela Língua, pela Cultura, pela Vida.
9. A muitos dos que nos tutelam não faria mal a leitura de alguns autores. Lembro-me, assim de repente, de Steiner para aprenderem um bocadinho sobre a importância da cultura e sobre o significado de “gramática da esperança”. Ou de Sartre, pra recordarem a indispensável condição do conhecimento para se ser livre, e da liberdade para um homem ser verdadeiramente digno da sua condição (quiçá feliz).
10. De modo que o meu texto (talvez o último que tenho a honra de escrever neste boletim) regressa, desaguando, à epígrafe e à historieta com que se fez retoricamente ao mar: é preciso garantir, na Escola, o acesso às artes e à cultura em geral, para que a Escola seja realmente um alfobre de cidadãos da liberdade; é preciso salvar o essencial – fazer emergir um cavalo (ou uma flor) da caótica, bruta, estúpida pedra do mundo.

Arco de Baúlhe, 27 de Junho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[Este texto foi escrito para o Boletim da Biblioteca da (muito querida) Escola Secundária de Cantanhede que, de acordo com notícias recentes - e, em minha opinião, infelizes - se irá agrupar com Febres. A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.escantanhede.pt.]

sábado, 7 de julho de 2012

Concha


Sábado invisível. Um dia inteiro de alienação voluntária, consciente, grata. Nem por um instante saí de casa, nem por um minuto pus os pés na varanda, nem por sombras me apeteceu trocar os calções e a t-shirt por roupa de ir à rua. Sábado, digamos, só de livros, de televisão e de uns seis episódios de "Will & Grace". (Intervalos para conversar com a MP, para dormitar, para dez minutos de computador.)
Desde pequeno que preciso, de vez em quando, de uma concha mínima, um refúgio invisível que me livre do mundo - e dispense o mundo de me aturar. Já fui este Robinson Crusoë, ao longo das décadas que sou, na despensa da casa materna, numa arrecadação exterior contígua a uma capoeira, num canto esconso do meu quarto, numa casa de praia em Mira, na casa da família madeirense, num quarto de estudante em Edimburgo, em pensões ou hotéis lisboetas (sem estrelas), em bibliotecas municipais, numa pastelaria pacata ou no meu carro (entre aulas ou reuniões).
Morre-se por um bocadinho para recarregar a alma de paciência e de ilusão. Morre-se para voltar.
Isto escrito, vou agora acabar de morrer por mais umas horas.
E devo voltar.

Ribeira de Pena, 07 de Julho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.culturamix.com/.]

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Trás-os-Montes


Naquela terra, era normal os poetas subirem a um monte cheio de árvores e flores para, em silêncio, ficarem horas inteiras a observar a longínqua praia. Era também comum ver sair dos olhos dos poetas (de cada poeta) uma gaivota que, como se de versos voadores se tratasse, batia asas rumo ao mar distante.
Quando um forasteiro passeando pelo areal se dava subitamente conta de certo bando de gaivotas mergulhando nas ondas, vindas todas de uma montanha a vários quilómetros dali, perguntava sempre:
- O que é isto?
E os locais respondiam-lhe invariavelmente o mesmo:
- São poetas com saudades do mar.
[…]
Mais à noite, os meus olham fecham-se, reabrindo-se de manhã com olheiras à volta. As olheiras são o reflexo da gaivota dentro da minha cabeça, antes do voo.

Vila Real, 06 de Julho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.geografia-psol.blogspot.pt.]

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Revisões da matéria dada


Fica quanto do que dei?
Fica o quê de vosso e meu?
Fica como o que deixei?
Fica onde o que nasceu?

Cabeceiras de Basto, 05 de Julho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Sai (mais) uma licenciatura para a mesa do canto!

1.                      Sabe-se que o ministro Miguel Relvas tem uma licenciatura obtida num ano. O escândalo não diminui com a explicação oficial: coisas de Bolonha, da apreciação do currículo profissional do “estudante”, de bondosas equivalências…
1.1.                Relvas, perante o bruá nacional, assustou-se e já diz que não tem culpa, apenas fez o que lhe permitiram, nos termos em que – garante – a lei e a Universidade Lusófona autorizaram.
1.2.                 O primeiro-ministro desvalorizou publicamente esta questão: chamou-lhe “não caso” (sic) e manifestou até regozijo por não haver qualquer ilicitude envolvida. Infelizmente para Passos Coelho, há gravações suas verberando o projecto das Novas Oportunidades que - defendia há meses - apenas certificavam ignorâncias…
1.3.                Falta-nos saber o que pensa deste fenómeno o ministro Nuno Crato, tão tonitruante se revela o matemático, tantas vezes, contra o “facilitismo” e a incompetência reinantes no sistema educativo português.
2.                      Ultimamente, toda a gente se tem lembrado do caso da licenciatura de Sócrates, como uma outra versão desta mesma (triste) história. E têm razão! Porque esta gente parece constituir-se de fura-vidas que são, afinal, clones uns dos outros. E depois chegam a ministros, secretários de estado, administradores da coisa pública ou privada.
2.1.                No caso de Sócrates, o que me chocou mais, na altura, não foi – confesso – a venalidade da Universidade Independente ou a ausência de escrúpulos do ex-governante. Foi sim Mariano Gago, ministro, à época, da Ciência e do Ensino Superior, ter chamado “exemplar” ao percurso académico do ex-chefe de governo.
3.                      Há uns anos, em entrevista, Pina Moura (ex-comunista, depois socialista, depois administrador de grandes empresas) garantia não ter remorsos nem problemas de consciência por, no parlamento, defender mudanças no preço da energia que, quando concretizadas, beneficiariam a Iberdrola (uma firma espanhola em que já trabalhava enquanto ainda deputava). Falta de ética? Talvez não: a criatura explicou que a sua ética era a “ética republicana” – e que tal significava a possibilidade de tudo se fazer desde que fosse legal.
3.1.                E assim se confirmava ali uma célebre ideia de Eça de Queirós que, no século XIX, referindo-se causticamente a alguns portugueses da Regeneração, identificava “respeito” com “medo da polícia”.
4.                      Eu sei que é preciso cuidado quando nos atrevemos a opinar publicamente sobre o carácter das pessoas. Mas Relvas, segundo parece, declarou na Assembleia da República, no espaço relativo ao currículo académico dos deputados, que frequentara o 2.º ano de Direito. Era mentira; ele apenas fizera uma cadeira nesse curso, obtendo a interessante classificação de dez valores. Tendo a considerar que se tratou de um lapso.
4.1.                A explicação de Relvas para o seu miserável currículo académico é a de que, nos anos 80 do século passado, estaria muito empenhado na actividade política. (Esta circunstância, supostamente, deveria merecer do povo português compreensão e gratidão.)
4.2.                Ao invés desta retórica de Relvas, Cavaco Silva, há alguns anos, querendo explicar a sua falta de militância pela liberdade nos tempos do fascismo, explicara que, por estar muito ocupado a estudar, não tivera tempo para actividades políticas.
4.3.                 Para mim, a explicação de Cavaco é pobrezinha, mas honesta. Já a explicação de Relvas parece a desculpa de um cábula que encontra as mais mirabolantes justificações para a sua incapacidade e o seu insucesso escolares.
5.                       Subsiste esta noção de que, hoje como no tempo de José Sócrates, se confunde estudo com obtenção de diplomas. O processo (real aquisição de conhecimentos e competências) é olhado com desprezo por estes novíssimos self-made men, como se se tratasse de pormenores, de superficialidades, de inutilidades, de perdas de tempo!
6.                       Como a contemporaneidade vai cínica, fico à espera de ainda ouvir gente como Miguel Relvas perorar, um dia destes, sobre exigência e rigor na sociedade, em particular na educação. Tudo é possível, senhores. O homem é ministro por enquanto. E é, Deus seja louvado, licenciado para sempre!

Arco de Baúlhe, 04 de Julho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.sicnoticias.sapo.pt.]

terça-feira, 3 de julho de 2012

Praia mãe


Vi sempre nas ondas uma promessa
De outra vida
De sair da insignificância do meu corpo
E conhecer um pouco de céu.


Vou a mar como quem vai à igreja
E gosto desta forma de Deus marulhando
Deus marulhando indo-vindo
Deus com sal e algas e peixes
Deus conversando comigo até ao horizonte.


Todos os dias sem mar são intervalos
Entre mim e a vida verdadeira.
O sol quando vem é só uma carícia mais
(Apetece-me sempre o mar mesmo sem sol).


Quando a minha mãe me embalava à tardinha
Era já a amada canção do mar ali -
E eu antes de adormecer brincava com Deus
Entrando as ondas lindas que sonhava.

Ribeira de Pena, 03 de Julho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[Praia da Tocha (foto JJC).]

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Escrita frágil

Existir é bem frágil condição
Na breve poesia dos desejos:
Morremos ao morrer a ilusão
E em verso renascemos como beijos.

Ribeira de Pena, 02 de Julho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (do filme Casablanca) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.assimerahollywood.wordpress.com/.]

domingo, 1 de julho de 2012

Um segundo mais


Li no “JN” que o dia de hoje tem mais um segundo. Poupo-me a detalhes técnico-científicos (minúcias relativas à translação e à rotação, e assim-assado). Fico-me pela noção de que, em bom rigor, termos hoje um inteiro segundinho mais de vida.
Pergunta: que farei-faço-fiz com um segundo mais?
Sei que esse segundo não tem um lugar exacto e pré-ordenado no conjunto dos (calculo) vinte e um mil seiscentos e um segundos de hoje. Ganhá-lo-emos (ou perdê-lo-emos) no princípio, algures a meio, ou no fim deste dia único?
Para quem faz do dia uma inevitabilidade pesada e pesarosa, um segundo a mais ou a menos não faz diferença. Mas para os outros (aqui em segredo: para nós) é uma pepita de ouro irrepetível que nos acrescentará de um bocadinho de sol, de música, de poesia, de amor.
Talvez o segundo extra seja o que faltou a Mário de Sá Carneiro para chegar um pouco mais além. E talvez este segundo a menos tenha estado na base do que Thoreau escreveu (dedicado às mui dignas virgens que, por medo ou interesse, adiam o prazer):  Gather your roses while you may”.
Vou, pois, dar uma volta. Está sol em Ribeira de Pena. Viva!

Ribeira de Pena, 01 de Julho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.hoteldecervaboguinhas.com.]

Dia de procissão (glosa coimbrinha de um poema de A. L. Ribeiro)


A meio da procissão,
O anjinho de Belém
Troça do seu irmão
E pede um gelado à mãe.

Chora tanto o irmãozinho
Que a mãe, de tão zangada,
Esbofeteia o anjinho
Escandalizando a cunhada.

Soltam-se alguns dichotes
E abordam-se questões
De ciúmes e calotes
E até de vis traições.

A cunhada, que é obesa
E inveja na mãe bruta
A magreza e a beleza,
Chama-lhe cabra e puta.

O pai do anjo, ao escutar
A terrível discussão,
Sai já a correr do bar
Com a cerveja na mão.

Atrás dele, a empregada
Corre também a pedir
O dinheiro da rodada
Que acabara de servir.

O prior, a esbracejar,
Chama a PSP;
Depois, recusa falar
A repórter da TV.

O anjinho e o irmão,
Cheios de sede e fadiga,
Esperam só que a procissão
Acabe ou siga.

Ribeira de Pena, 30 de Junho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.conversarempeniche.blogspot.com/]

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Volátil



Batem à porta da gente -
Vou em vão ver quem vem lá:
Era o volátil Presente
Que passou, mas já não está.

Ribeira de Pena, 29 de Junho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto (minha) da entrada da casa materna.]

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Quando eu morrer


Os versos são da imorredoira Sophia M. B. Andresen (cito de cor):

"Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar."

Há muitos anos que os trago inscritos no coração, por ser aqui tão certa a enunciação da urgência de viver, de experimentar o que vale a pena, de saborear com o corpo e a alma quanto a vida tenha para nos oferecer.
Há um lado triste, ironicamente triste, neste discurso: a poetisa voltará apenas na forma de versos (de, digamos, música), nunca mais regressando de facto, na sua plenitude de pele, olhos e sangue à praia amada, isto é, ao exercício livre de observar-sentir o mar.
Leio sempre este poema como um aviso solene sobre o imprudente desperdício da nossa existência:
"Cuidado, Joaquim Jorge, cuidado! O tempo vai-se esgotando."

De modo que preciso, hoje mesmo, de dizer a quem estimo e amo que os estimo e os amo. E de urgentemente ir ver o mar.

Arco de Baúlhe (à espera de uma oral de Francês), 28 de Junho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (retrato de Sophia, feito por Arpad Szenes) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.leiturapartilhada.blogspot.pt/.]]

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Momento

Escrevo a meio da manhã, após haver terminado de preparar uma oral de Francês. Como tantos portugueses, sofro hoje a ansiedade que há antes dos grandes momentos: mais logo, Portugal defronta a Espanha e, se ganhar, vai à final do Euro. Bem sei, daqui a uns dez anos esta circunstância não terá importância alguma; mas eu sou um ser do presente, vivo à medida dessa condição estreita. Este é o Momento.
Calculo que Deus, Romancista absoluto, já escreveu esta história. Dono conhecido de todas as analepses e prolepses, já saberá o divino Autor, neste preciso instante (que a mim parece só o presente), tudo quanto aconteceu na euro-narrativa.
Gosto excessivamente de futebol, confesso. É aliás essa a minha forma habitual de gostar (seja do que for). Por isso dou tanta importância aos jogos em que entra Cristiano Ronaldo: nele percebo um génio do meu tempo aproximar-se daquilo a que - falando de bola, relvado e balizas – se poderá chamar a maiúscula Perfeição. Vejo-o evoluir numa partida como se visse Cesário descobrindo a música certa para uma quadra, ou Pessoa oferecendo um espelho inteligente à humanidade ocidental. Depois, o facto de haver esta coincidência de sermos portugueses (e de ainda haver portugueses, não obstante os mercados) contribui para a excelência deste Momento.
De modo que alinharemos assim: Rui Patrício, João Pereira, Bruno Alves, Pepe, Fábio Coentrão, Miguel Veloso, Raúl Meireles, João Moutinho, Dani, Hugo Almeida, Cristiano Ronaldo, eu, a MP, a VL, etc.
Lá estarei, no Ali Babá, morrendo com a MP a cada jogada por nós ou contra nós. Hei-de ser o mais glorioso (e orgulhoso) alienado do planeta, de certeza.
Ganhe ou perca. Deus Narrador lá saberá.

Ribeira de Pena, 27 de Junho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.atelevisao.com.]

terça-feira, 26 de junho de 2012

Voyeur d’été


Abençoo este calor acidental
Que obriga a feminil condição
Ao têxtil abandono corporal
E a uma animal transpiração.

Formigam mil donzelas em viagem
P’las ruas deste dia ledo e lindo;
Cúmplice sou delas na paisagem
Mas eu ficando e, ai, elas partindo.

Vila Real, 26 de Junho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.postaisdamarta.blogspot.pt.]

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Data querida


Sou uma casa. Sou uma casa já um pouco velha.
Não me é possível ser para sempre uma casa nova, como outrora fui, mas dá gosto ver que as paredes se mantêm erguidas e fortes, que o telhado resiste à bruta invasão do tempo, que há ainda dentro de mim uma espécie de refúgio interior imune à passagem das horas.
À volta da casa que sou, há flores. São já parte da casa. A casa parece, com as flores em redor, mais nova e mais bonita. O próprio tempo parece uma circunstância amável, cúmplice de nós.
Vieste para a minha vida como flores. Sou, por isso, uma casa com flores à volta. E somos (agora também com aquela jurista bonita da DECO) uma casa digna dessa condição quasimortal.
Obrigado, meu amor, por teres vindo para sermos.


Arco de Baúlhe, 25 de Junho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.fernandompinto.buzznet.com.]

domingo, 24 de junho de 2012

Eu, isto é, o Mondego

No choupal do meu destino
Corro tanto, sem parar;
Sou um rio sempre menino
À procura de ser mar.

Coimbra, 24 de Junho (parabéns, Eduarda!) de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.kafekultura.blogspot.com/.]