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Número de Ondas

sábado, 12 de julho de 2014

Aparente Julho


Um dos mais alegres dias da minha vida sucedeu há cerca de 17 anos. Foi o dia em que a minha irmã se casou com o meu amigo Conceição.
Eu só soube que o meu amigo era namorado da minha irmã numa fase adiantada dessa relação. Fazíamos, em certo Verão de 1996, o nosso jogging choupalino e ele mandou-me parar. Disse-me:
- Ó pá, eu gosto muito da tua irmã e temos saído às vezes.
Fiquei muito sério e, num jacto, respondi:
- Tenho apenas uma irmã e poucos amigos verdadeiros. Se te portares mal, fico à mesma só com uma irmã e com menos um amigo.
Ele riu-se e assegurou-me que tinha boas intenções. E, de facto, tinha.
No dia do casamento, reuniram-se muitos familiares, amigos e conhecidos de ambos os noivos – e, numa dessas coincidências cósmicas que raramente ocorrem, aconteceu esse dia tão intensamente festivo, tão magicamente alegre. Um dia inesquecível, senhores, um dia (como hei-de dizer?) imorredoiro.
Mas, à noite, quando eu, a MP e a VL nos preparávamos para regressar a Ribeira de Pena, tive um vislumbre de tragédia: vi a mesa da sala materna exibindo os restos (mortais) da festa, já sem gente, povoada de pedaços de bolo em guardanapos sujos, garrafas – de vinho ou sumo – vazias ou já encetadas e descuidadamente abertas, a toalha com nódoas de comida, as cadeiras desarrumadas. O silêncio. A minha mãe dessa vez abraçou-se a mim, chorando. Disse-me:
- Deixa lá, filho. É a vida…
“A vida”, ali, significava a sua solidão deveniente: os filhos todos já casados, a casa inteira cheia de nada.
Dezassete anos depois, revi muitos dos rostos daquele dia festivo, mas o motivo, agora, era a brutal partida do meu amigo-cunhado José António Conceição. E eu dou, de súbito, com a minha irmã e a minha mãe novamente juntas, com o meu sobrinho ao lado.
Não se trata, ai de nós, de um regresso ao passado primaveril que em 1997 éramos ainda. É o Outono. Aliás, o Inverno.
Este calor de Julho não me engana. Não me consegue enganar. Que eu sinto claramente o frio desta história verdadeira.

Coimbra, 12 de Julho de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho

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