Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Vida por vidas


De tantas outras vidas se faz a humana vida, não é?
Há esta, óbvia, que já foi ou está sendo.
Há aquela que ainda falta cumprir (quanto? quando?).
Há as que vivemos noutras (por outras) humanas histórias, acontecidas com gente de carne e osso ou artecriadas.
E há a, talvez fundamental, vida que poderia ter sido.

Coimbra, 28 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Casa do Povo do Arco com Abril dentro


Hoje, Sexta-feira, na Casa do Povo de Arco de Baúlhe, pelas 21h15m, os alunos do 9.ºC (da Escola Básica do Arco) levam à cena a peça "A Noite de 24 de Abril". O evento marca (espero eu que com chave de ouro) o final da Semana do Agrupamento de Cabeceiras de Basto.
Nota: esta peça baseia-se na obra de José Saramago, A Noite; a adaptação do texto e a enecenação são da minha responsabilidade.
Convido, por esta via, os eventuais interessados a virem reviver - connosco - um dos dias mais belos da nossa História.
Estamos, Amigos, à vossa espera!

Ribeira de Pena, 27 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Não há verdadeiro par sem dois uns


Abel Neves, dramaturgo e dramaturgista, verbaliza luminosamente (no livro Algures entre a Resposta e a Interrogação, Lisboa, Ed. Livros Cotovia, 2002) uma ideia que, embora contraditória na aparência, faz todo o sentido no Teatro: é conveniente que espectadores e actores estejam, à partida, separados – para, no momento oportuno, se dar o abraço entre uns e outros.
Não me é difícil estender a lição a outros universos, incluindo até o maior de todos, o Amor. É preciso que cada um dos dois de um par seja verdadeiramente único, pessoal, distinto (portanto, separado) do outro elemento – para, no momento oportuno, se dar o abraço entre ambos, e para que os dois eventualmente devenham um.
Desconfio, ainda sem conhecimento de causa (lagarto, lagarto!), que a falência de muitas uniões se explica por aqui: pode dar-se o caso de um dos constituintes do par não ser (ainda não ser ou já não ser) uma verdadeira pessoa, tornando assim impossível, no tempo oportuno, o abraço necessário e desejável com a outra que, correndo as coisas bem, seria o outro lado do par.
Pelo Teatro se explica também a vida, como se sabe.

Arco de Baúlhe, 24 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

domingo, 22 de maio de 2011

Abraço in memoriam


Morreu ontem, dia 21 de Maio, o senhor professor João Carvalho, ex-delegado escolar de Ribeira de Pena.
Foi um homem de convicções fortes e, como por aqui pude testemunhar em década e meia, não coleccionou apenas amigos e apaniguados. Eu tive oportunidade de o conhecer razoavelmente e muito lamento o seu ocaso.
Recordo, em retrospectiva triste, algumas agradáveis reuniões, quase sempre à beira de serenos cafés numa pastelaria local. Era um homem culto e informado, de verbo fácil - mas não se importava de ouvir as minhas próprias palavras (sobre literatura, escola, vidas). Mesmo quando discordávamos, nunca se esgotava a bonomia e o gosto dos bons encontros.
Revejo-o agora, sem esforço, a dividir comigo certo olhar arguto sobre a realidade, a cruzar - em voos melancólicos - passado e presente, a criticar verrinosamente a imperfeita humanidade que éramos, a temperar de humor (fino e franco) um qualquer aspecto sociológico sobre organizações ou particulares.
E deixo-lhe aqui, com ternura, um abraço póstumo.
(A escrita é quase sempre um abraço póstumo.)
Foi uma honra ter sido seu contemporâneo, senhor professor.

Ribeira de Pena, 22 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

terça-feira, 17 de maio de 2011

Explicação do Mar


Deus queria explicar-me o Infinito, mas eu não alcançava tão imenso conceito.
- Senhor, não entendo – confessei.
Ele sorriu e, com divina ironia, perguntou:
- Queres que te faça um desenho?
Eu respondi:
- Sim, quero.
E Ele, com infinita paciência, lá me desenhou, enfim, o Mar.

Ribeira de Pena, 17 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto JJC]

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Carrossel d'ir


Vês no carrossel da feira
Andando à roda os petizes
Em assentos de madeira?
Como que voam felizes!

Vês meninos gritando
Do lado do paraíso?
E vês os pais acenando
Entre o medo e um sorriso?

Vês na pista a alegria
E fora dela a prudência?
Vês o lado da folia
E o lado da sua ausência?

Se olhas de fora da grade
É viagem sem regresso
Pois na circularidade
Não há bem ida ou regresso.

Mas a fatal engrenagem
Dita que nova corrida
É já distinta viagem
Da outra antes vivida.

O carrossel que tu vês
Dura menos que dois ais –
Quando começa outra vez
Já os meninos são pais.

(Quando começa outra vez
Já os destinos são ais.)


Ribeira de Pena, 15 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.1.bp.blogspot.com.]

A vida é feita de nada(s)


Um poema de Torga abre com esta provocação: “A vida é feita de nadas.”
Questiono os alunos do 9.º ano sobre o sentido da afirmação. Hesitantes, vão dizendo: “que a vida vale pouco; que a vida é insignificante; que a vida é nada.”
Obrigo-os a reler o poema na totalidade. Pergunto se o poema lhes parece pessimista, derrotista. Acham que não – e, quase em coro, sublinham a admiração do sujeito poético pelo trabalho de seu pai tratando de videiras "como uma mãe que faz tranças à filha".
Requestiono-os: então, se o poema se funda numa visão optimista, bela, luminosa, que quererá o texto significar com o verso “A vida é feita de nadas”?
Levamos – todos - uns dez minutos a perceber que, ali, “nadas” significa “pormenores (aparentemente) sem importância".
Dá-se, então, a epifania que justifica esta evocação. Subitamente, eu próprio percebo que a minha existência se mede pela lenta e serena passagem, por mim, de episódios, imagens, vozes, objectos, pessoas, minutos, dias, anos, livros, caminhos. Eu-sendo, digamos, nessa discretíssima sucessão de todos os pormenores contemporâneos de meus sentidos.
Se um médico dissesse que nos faltava viver apenas um mês, como perspectivaríamos nós a perda iminente de tudo? Ouso dizê-lo agora, à boleia (grata) de Torga: seria a impossibilidade de acordar outra vez, de tomar banho, de beber um café, de sentir na orelhas o frio revivo da manhã ou o beijo insinuante do irmão sol, de ver gente passando, de ouvir notícias e música no rádio viajante, de nos doer a escultura de certa senhora desconhecida num vestido perigoso, de rir das piadas súbitas que há nos dias, de ouvir as pessoas que amamos dizerem que estão bem (e que nos amam). Enfim, a impossibilidade de, como tão bem escreveu outro poeta português (Eugénio de Andrade), um homem “permanecer”.
Ora, na tal lista de perdas que a correr supra-enuncio, nada há de exuberantemente extraordinário ou conspícuo. São, digamos, apenas “nadas”. Mas nadas que são a vida.
E, agora, atentai: eu, que estou farto (mas não cansado) de ler este Torga, nunca percebera tão bem este verso como no dia 13 de Maio, durante uma conversa com queridos alunos do meu 9.º C! Como não respeitar um poder tão grande? Como não admirar e amar a literatura que, quando merecemos percebê-la, nos diz tão bem?

Ribeira de Pena, 14 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.agricultura-familiar-tradicional.blogspot.com.]

sábado, 14 de maio de 2011

Literatura com grandes lições dentro


Aprende-se tanto com os textos que vamos descobrindo!
Em boa verdade, o que lemos toca, de modo directo ou enviesado, fragmentos de sabedoria que a própria vida nos vai oferecendo todos os dias. Mas, subitamente, deparamos com a mágica verbalização do que, antes, não era senão ideia (pres)sentida. E por isso acho tão adequada a associação (cara a Pessoa) da justa frase a uma fórmula matemática perfeita.
Ultimamente, por exemplo, andei embrenhado na leitura – voraz, mas lenta – de O Jogo das Contas de Vidro, de Hermann Hesse: trata-se de um tratado sobre a arte, a religião, a literatura, o sentido da existência, a (in)tolerância, a linguagem, a amizade e o amor.
Ontem, pude viajar (via internet) pela escrita de um grande pensador francês, Jean de La Bruyère, que em primeira instância conheci (espantai-vos) graças a um “papillote” com uma citação impressionante daquele escritor. La Bruyère nasceu em Paris a 16 de Agosto de 1645 e morreu em Versalhes a 10 de Maio de 1696. “Moralista” conceituado, foi um escritor cujo estilo influenciou grandes nomes como Marivaux, Balzac, Proust e Gide.
Eis quatro pérolas que reproduzo, com o grato prazer que adivinhareis:

“Não se deve julgar o mérito de um homem pelas suas grandes qualidades, mas pelo uso que sabe fazer delas.”

“Devemos calar-nos acerca dos poderosos: há quase sempre lisonja em dizer-se bem; há perigo em dizer-se mal enquanto estão vivos; e (há) cobardia após a sua morte.”

“A modéstia é para o mérito o que as sombras são para um quadro. Dão-lhe forma e relevo.”

“As coisas maiores só devem ser ditas com simplicidade; a ênfase estraga-as. As menores precisam de ser ditas com solenidade - elas só se sustentam pelo modo de expressão, pela atitude e pelo tom.”


Guardei ainda para o fim uma mais, que me parece a mais genial (e verrinosa) de todas. Dedico-a ao exército de elegantes analfabetos, incompetentes sem ética nem gramática, arrivistas fura-vidas e lambe-botas, governantes com mais lata do que inteligência, quadros mé(r)dios e intermé(r)dios do nosso quotidiano funcionário, asnos pseudo-importantes em geral:

“Os lugares de chefia fazem maiores os grandes homens e mais pequenos os mediocres.”

Tomai e comei todos - pumba!

Ribeira de Pena, 14 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Mar (Falta de)


Gosto do verde minho pela estrada
E da luz por trás dos montes a brilhar
Mas isto tudo, amor, é quase nada
Porque me falta sempre, aqui, o Mar.

Admiro na paisagem tanta cor
Percebo o rio fresco atrás de ti
Mas isto tudo é triste, meu amor,
Que me dói o Mar não ser aqui.

Ribeira de Pena, 11 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

Gémeos falsos


Pergunta (de algibeira): Que semelhanças há entre José Sócrates e Pedro Passos Coelho?
Resposta (do fundo da algibeira): Andam – ambos – a dar cabo do Partido Socialista.

Ribeira de Pena, 11 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida em http://www.espalhafactos.com.]

Poema seguinte a leitura de Bárbara Ruiva, de Rómulo de Carvalho


Dizes corre, eu corro.
Dizes sonha, eu quero
Dizes morre, eu morro.
Dizes nunca, eu espero.

Por ti, eu
Actuo.
Flutuo.
Amuo -
Sou teu.

Ribeira de Pena, 11 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

terça-feira, 10 de maio de 2011

Casa Mourisca


No romance Os Fidalgos da Casa Mourisca, Júlio Dinis conta o modo como um jovem nobre, Jorge, se atreve a envidar esforços para reerguer as finanças e a honra da família. O pai (senhor D. Luís), por preconceito “miguelista”, duvida da dignidade de tal desiderato, crendo que esse trabalho de gestão da Casa Mourisca estaria melhor nas mãos do padre residente, Frei Januário.
Quando, enfim, D. Luís permite que o primogénito assuma a condução das contas da família, percebe-se (confirma-se) que a contabilidade da Casa Mourisca é pouco clara, pouco rigorosa e, de modo geral, trágica. Frei Januário havia sido, até ser descoberto, um irresponsável gestor, mas alegremente impune e mesmo prestigiado.
Revelada a incompetência, começou a morosa, dificultosa e complexa empresa de salvar os fidalgos do opróbrio.
A fábula dinisiana teria muito por onde buscarmos lições sobre a contemporaneidade portuguesa. Detenho-me num aspecto apenas: só quando a ruína estava iminente é que D. Luís acordou para o problema de finanças da Casa Mourisca…
Viajando para o triste presente português, não tenho dúvidas sobre o nome do “Frei Januário” do nosso tempo: José Sócrates, evidentemente.
Mas, infelizmente, não acredito na possibilidade de o “Jorge” de agora ser Pedro Passos Coelho.
Estou pessimista. Não sei se a nossa Casa Mourisca é sequer salvável.


Ribeira de Pena, 10 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O lugar das andorinhas


“Boa noite. Eu vou com as aves.”
(Eugénio de Andrade)


Todos os anos a cena se repete. Cumprindo a primavera que lhes corre no sangue, um casal de andorinhas dirige-se ao segundo andar da Avenida da Noruega, esse território onde resido há razoável tempo. No espaço sobranceiro à janela do quarto da minha filha, aquele casal faz, refaz o ninho que os seus próprios filhos a haver, depois, habitarão.
Imagino-os a espreitar, discretamente, o quarto vazio da minha filha, que deveio mulher ao fim de algumas primaveras. Murmurarão, entre si, naquela língua chilreada de voadores nómadas:
- A miúda não está cá. Terá sucedido alguma coisa?
Um elemento do casal (talvez a esposa) adiantará a verdade, com a resignação e a serenidade triste dos seres por enquanto vivos:
- Cresceu. Voou daqui para fora.
Outro elemento do casal (talvez o esposo) dirá:
- Coitados dos pais.
As andorinhas sabem do que falam.

Ribeira de Pena, 09 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida – com a devida vénia – em http://www.panoramio.com.]

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Notas com muito Maio dentro


Nota 1
Durante a bela manhã deste dia cinco de Maio, no Auditório do Centro Escolar de Cabeceiras de Basto, falei com alunos do 2.º ciclo sobre poesia. Lemos textos, dramatizámos cenas, viajámos por dentro dos sons e dos sentidos das palavras.
Atentos e (muito, muito) vivos, os jovens ofereceram-me o seu interesse, as suas opiniões espontâneas, o seu riso limpo e franco.
Não há Ministério da Educação (nem FMI) que me roube(m) essa graça.

Nota 2
À tarde, eu e os meus queridos alunos do “Arco de Leitores” (do 9.º C) fomos ao Centro de Dia de Arco de Baúlhe para - de modo esforçadamente dinâmico, criativo, teatral – dedicarmos aos utentes daquele espaço uma pequena performance de poesia. O título da nossa actuação ocorreu-me, como uma luz, quando se esboçava ainda a iniciativa, lá por Janeiro ou Março: “Poesia no Centro de Dia, Poesia no Centro dos Dias”.
A nossa assistência era uma vintena, se tanto, de idosos e idosas, Pude perceber, ao longo dos quinze-vinte minutos de função, ora a curiosidade ora o prazer de tão nobilíssima assistência.
A seguir, alunos de 2.º ciclo, orientados pelo colega Vítor Santos, um competentíssimo professor de Educação Musical, interpretaram temas em flauta e cantaram (para e com o público) algumas canções populares.
Nem uma hora durou esta comunhão serena e formosa entre a Escola (que somos) e a uma parte tão especial da comunidade da vila onde trabalhamos.
Parênteses e remate: gosto de pensar, com mais imaginação que rigor etimológico, na palavra comunidade como significando comum idade. Porque essa é a idade de (todos) nós. Nós, sublinho, de atar e de (juntos) sermos.

Nota 3
De manhã, jovens muito jovens; à tarde, gente consideravelmente antiga.
A todos chegou o encanto da arte poética.
Confirma-se, portanto: a poesia é uma necessidade de todo o humano tempo.

Ribeira de Pena, 05 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (do poeta e cantor Léo Ferré) foi colhida – com a devida vénia - em http://www. europopmusic.eu.]

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Morte (parcial) do Sol


À entrada do prédio, junto à roda dianteira de um utilitário japonês, jaz uma borboleta muito linda.
É (era) uma beleza muito magra, esta, revestida de uma cor rara que não sei dizer senão como uma viagem delicada entre o branco e o amarelo. Vista de cima (e vista de depois), parece-me um bocadinho de sol sepulto.
É essa luz devinda morta que carrego no pensamento, enquanto subo as escadas. Tenho fome, há uns deliciosos restos de massa do dia anterior à minha espera, mas urgentemente anoto, no verso da factura da luz, este instantâneo triste do meu dia.
E escrevo-o/inscrevo-o aqui, só para me lembrar mais claramente de uma coisa, não sei bem o quê, que ali perdi.

Ribeira de Pena, 04 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.vhrportal.geek.vault.org.]

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Cervantes e a certa Dulcineia


O que salvou Dulcineia de ser uma mera mulher do campo (suada, indiscreta, bruta) foi a distância generosa a que Dom Quixote a apreciou. Houvesse o último cavaleiro da península ousado aproximar-se e, em lugar do mavioso canto que julgou ouvir, escutaria as mais vernáculas imprecações; em lugar da perfeição grácil de curvas angélicas, teria reparado nas regueifas adiposas daquele traseiro camponês.
O ideal existe melhor visto de longe.

Arco de Baúlhe, 02 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a debvida vénia, em http:www.4rt4.blogspot.com.]

domingo, 1 de maio de 2011

Gotta Keep Reading


Um querido colega chamou-me a atenção para um vídeo que corre, por estes dias, no Youtube. Trata-se de um espectáculo de música, dança e expressão dramática levada a cabo por alunos e professores da Ocoee Middle School, Florida, que celebra, de modo divertido, o prazer de ler. O sucesso desta iniciativa pode medir-se, em parâmetros americanos, pela visibilidade mediática já obtida, nomeadamente a que resultou da divulgação no programa “Oprah”.
Em concreto, o tal espectáculo resume-se à adaptação do tema “I gotta feelin’” dos Black Eyed Peas. Naquela escola da Florida, o título deveio “Gotta keeep reading” (‘Cause this book gonna be a good book”, etc.). As imagens mostram-nos um grande concerto ao vivo, com a música contagiando a multidão e com esta, em clima de festa, a mover ancas, braços, pernas, cabeças, entoando o refrão - e, como por feitiço, sacando de livros para uma leitura (digamos assim) irreprimível.
[Parênteses: a música dos Black Eyed Peas foi (lembram-se?) o hino escolhido por Carlos Queirós, esse conhecido e abastado teórico do futebol, para a campanha portuguesa no Mundial de Futebol de África do Sul. Só isto já era suficiente para eu duvidar da bondade da coisa…]

Não estou contra o uso da imaginação e do contributo (cúmplice) de artes performativas no sentido de promover a leitura. Defendo até, de forma “leninista”, o uso de todas as diplomacias para benefício de uma causa que consideremos nobre. Mas faz-me impressão esta ideia, muito em voga na cultura e na educação hodiernas, de se medir o interesse e o sucesso de iniciativas pela quantidade dos intervenientes, pela exuberância “espectacular” do enunciado, pelo eco mediático que se obtenha.
Em termos sucintos, arrepia-me a fatalidade de a aparência prevalecer sobre a essência.
Ora, no caso da promoção e culto da leitura, quem verdadeiramente gosta de livros (e de jornais ou de revistas) sabe bem que a leitura se trata, em regra, de um exercício solitário, discreto, feito no recato possível de um quarto, de uma sala, de um banco de jardim, de uma nesga de praia, de alguns centímetros de assento rodoviário ou ferroviário, de um qualquer território escatológico-sanitário, etc.
As grandes iniciativas como as da Ocoee Middle School (como outras lusitanas vaidades, que vivem para a estatística e para as fátuas evidências parolo-mediáticas), ainda que nos agradem como experiências originais ou como performances inócuo-engraçadas, são muito menos amigas do livro e da leitura do que certas Eminências Pardas imaginam.
O gosto da leitura promove-se com exemplos simples, diários, persistentes (em casa, na Escola, na sociedade). Aprende-se a gostar de ler, lendo – e não gritando aos quatro ventos que “Ler é importante”, ou que “Ler é fixe” (versão cenoura), ou, ainda menos, que “Ler é obrigatório” (versão chicote).

PS - Já agora: Torci sempre (e teimosamente torço) o nariz à transformação das bibliotecas em “Centro de Recursos”. E creio, aliás que os verdadeiros amantes dos livros e da leitura não gostaram dessa, digamos assim, "evolução".

Ribeira de Pena, 01 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.savevid.com.]