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domingo, 1 de maio de 2011

Gotta Keep Reading


Um querido colega chamou-me a atenção para um vídeo que corre, por estes dias, no Youtube. Trata-se de um espectáculo de música, dança e expressão dramática levada a cabo por alunos e professores da Ocoee Middle School, Florida, que celebra, de modo divertido, o prazer de ler. O sucesso desta iniciativa pode medir-se, em parâmetros americanos, pela visibilidade mediática já obtida, nomeadamente a que resultou da divulgação no programa “Oprah”.
Em concreto, o tal espectáculo resume-se à adaptação do tema “I gotta feelin’” dos Black Eyed Peas. Naquela escola da Florida, o título deveio “Gotta keeep reading” (‘Cause this book gonna be a good book”, etc.). As imagens mostram-nos um grande concerto ao vivo, com a música contagiando a multidão e com esta, em clima de festa, a mover ancas, braços, pernas, cabeças, entoando o refrão - e, como por feitiço, sacando de livros para uma leitura (digamos assim) irreprimível.
[Parênteses: a música dos Black Eyed Peas foi (lembram-se?) o hino escolhido por Carlos Queirós, esse conhecido e abastado teórico do futebol, para a campanha portuguesa no Mundial de Futebol de África do Sul. Só isto já era suficiente para eu duvidar da bondade da coisa…]

Não estou contra o uso da imaginação e do contributo (cúmplice) de artes performativas no sentido de promover a leitura. Defendo até, de forma “leninista”, o uso de todas as diplomacias para benefício de uma causa que consideremos nobre. Mas faz-me impressão esta ideia, muito em voga na cultura e na educação hodiernas, de se medir o interesse e o sucesso de iniciativas pela quantidade dos intervenientes, pela exuberância “espectacular” do enunciado, pelo eco mediático que se obtenha.
Em termos sucintos, arrepia-me a fatalidade de a aparência prevalecer sobre a essência.
Ora, no caso da promoção e culto da leitura, quem verdadeiramente gosta de livros (e de jornais ou de revistas) sabe bem que a leitura se trata, em regra, de um exercício solitário, discreto, feito no recato possível de um quarto, de uma sala, de um banco de jardim, de uma nesga de praia, de alguns centímetros de assento rodoviário ou ferroviário, de um qualquer território escatológico-sanitário, etc.
As grandes iniciativas como as da Ocoee Middle School (como outras lusitanas vaidades, que vivem para a estatística e para as fátuas evidências parolo-mediáticas), ainda que nos agradem como experiências originais ou como performances inócuo-engraçadas, são muito menos amigas do livro e da leitura do que certas Eminências Pardas imaginam.
O gosto da leitura promove-se com exemplos simples, diários, persistentes (em casa, na Escola, na sociedade). Aprende-se a gostar de ler, lendo – e não gritando aos quatro ventos que “Ler é importante”, ou que “Ler é fixe” (versão cenoura), ou, ainda menos, que “Ler é obrigatório” (versão chicote).

PS - Já agora: Torci sempre (e teimosamente torço) o nariz à transformação das bibliotecas em “Centro de Recursos”. E creio, aliás que os verdadeiros amantes dos livros e da leitura não gostaram dessa, digamos assim, "evolução".

Ribeira de Pena, 01 de Maio de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.savevid.com.]

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo totalmente. A leitura é um exercício que requer solidão, silêncio, concentração e tempo.
É verdade que vivemos numa sociedade de ruído, numa sociedade em que tudo parece concorrer para a ausência de tempo e de reflexão.
Por isso, eu defendo que se deve cultivar o ócio. Hoje, parece que há medo de pronunciar esta palavra. Mas é, muitas vezes, nesses momentos de ócio, de nada fazer, que apetece pegar num livro e ler. E é tão bom!
Reaussau diz que “ a verdadeira educação não consiste em ganhar tempo mas em perdê-lo”.
Quanto à “evolução” das bibliotecas, estou sempre do lado dos amantes de livros.