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Número de Ondas

domingo, 5 de junho de 2011

À Velocidade do Amor


O meu amigo (e cunhado) José António Conceição emprestou-me A Velocidade do Amor, um romance de Antonio Skármeta, chileno que, como todos sabem, escreveu também essa maravilha chamada O Carteiro de Pablo Neruda.
Li A Velocidade do Amor (Liboa, Ed. Teorema, 1989, trad. de José Colaço Bsarreiros) durante o fim-de-semana. É uma história interessante, mas fica objectivamente aquém das grandes e inesquecíveis narrativas. Skármeta não conseguiu decidir-se em termos de tom, de perspectiva, de ritmo: os diálogos (frequentes) ora preferem a ligeireza caricatural da comédia, ora buscam uma inverosímil profundidade dramática; a acção ora se detém em cenas lentas que edificam uma ideia de atmosfera física e social, ora corre vertiginosamente de sequência em sequência; as personagens estabelecem relações de amor-ódio com demasiada facilidade e reagem de modo surpreendente e improvável às avulsas peripécias.
Fiquei com a noção de que, em termos de modo narrativo, deste livro se faria sobretudo um melhor filme.
Mas sublinho, na foz desta crítica, a essencial ideia - que mantenho - acerca de Antonio Skármeta: trata-se, sem dúvida, de um belo criador e contador de histórias.
Mais: há, no interior de toda a retórica enunciatória deste escritor, um indiscutível amor pela literatura que muito me comove. Boa parte da narração recorre, aliás, a citações, epígrafes, exercícios exegéticos ou hermenêuticos, sempre à roda de outros autores e outras obras.
Skármeta escreve pérolas como esta, ao descrever a silhueta escaldante de uma "Lolita" de 15 anos chamada Sophie (p. 28):
"Um vestido tão nu como um corpo nu. À distância podia aperceber-me de que esse leve tecido se erguia com a sua respiração: havia qualquer coisa demencialmente fresca na relação entre corpo e roupa. Era um paradoxo, um material que simultaneamente cobria e desnudava, quase senti que a minha face se encostava ao seu umbigo e que remoto e rítmico me batia nos tímpanos o latejar das suas veias."

Sobre a moderna crise da leitura, afirma (p. 65) com a melancólica lucidez de quem sabe muito bem do que fala:
"Os livros são lidos [...] pelos grandes aventureiros da alma, por quem resiste aos embates da medíocre realidade e não desesperou de achar a beleza na literatura e na vida. A gente que lê livros traz no olhar um brilho que [a] distingue do meio das multidões [...]."

E na página 74, para reforço desta cumplicidade de quem escreve com a própria pátria da literatura, o narrador (estrategicamente autodiegético) evoca Thoreau:
"Good poetry seems so simple and natural a thing that when we meet it we wonder that all men are not always poets. Poetry is nothing but healthy speech." ["A poesia, quando é boa, parece uma coisa tão simples e espontânea que perante ela nos admiramos de nós homens não sermos poetas a todo o instante. A poesia não é senão expressão saudável."]

O título de Skármeta também serve para falar desta voracidade leitora que me salva de maiores vazios. Eu leio, pois claro, à "velocidade do Amor".

Coimbra, 05 de Junho de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

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