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sexta-feira, 10 de junho de 2011

O soldado Manuel Cabral Ribeiro que desculpe a Pátria


Em 1965, um jovem português chamado Manuel Cabral Ribeiro embarcou para Moçambique, integrado num contingente que, mal sabendo porquê, ia combater na guerra colonial. A mão chorou, ao despedir-se, temendo profundamente que aquela fosse a última vez que via o filho vivo.
Enquanto o barco não chegava ao destino, o soldado escreveu um-dois-três aerogramas à família, e já em solo africano, escreveu o quarto e talvez o quinto. As missivas, dizendo “Estou bem”, levaram mais de dois meses a chegar à metrópole. Um mês apenas levaria o soldado a morrer em combate.
O pai do jovem estava a fazer a trasfega (transferindo o vinho das pipas para um camião) quando ouviu a gritaria de mulher, filhos, amigos, vizinhos. Alguém lhe explicou: “O teu filho está morto.”
O corpo, por dificuldades operacionais, nunca chegaria a ser resgatado e trazido de volta a Portugal. Entretanto, muitas semanas depois desse óbito em combate, chegavam aerogramas garantindo à família “Eu estou bem”.
Durante quatro décadas, um dos irmãos nunca desistiu de encontrar os restos daquela fraternidade morta pela guerra. Escreveu cartas; incomodou altas, médias e pequenas patentes; telefonou; requereu; insistiu.
Um dia, já em 2010, um militar fez-lhe chegar a notícia: haviam encontrado a campa de pedra onde jazia o infeliz irmão. Os “restos mortais” (como é costume dizer-se desta nossa terrenidade sobejante) estavam, enfim, prontos a regressar, quarenta e cinco anos depois da partida, ao país natal da vítima.
Eu ouvi o irmão explicar, em reportagem da Sic, neste 10 de Junho comemorativo já nem sei bem de quê, que o sentimento da família era menos de funeral que de festa. Era o reencontro do tão jovem soldado português (agora que idade tem?) com o espaço pátrio, a terrinha, a sua gente.
E igualmente ouvi o irmão acrescentar, com resignação comovente, que o Estado não tinha verba disponível para tratar deste regresso. As despesas ficavam por conta da família. A Nação (disseram-lhe altas patentes e altos responsáveis do Estado) não tem dinheiro para trazer de volta à sua terra um soldado que foi morrer, obrigado pelo seu país, a uma terra longínqua…
Sobre isto, escrevo como quem vomita - de nojo!
E ainda bem que esta reportagem da Sic foi para o ar no dia 10 de Junho, para vergonha de quem nos governa (e se governa) com maior despudor que competência.

Ribeira de Pena, 10 de Junho de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.paginaglobal.blogspot.com.]

2 comentários:

jorgil disse...

Tem havido dinheiro para toda a espécie de futilidades. Para estes heróis, que o foram, porque eu vi, estive lá, tem havido esquecimento!

GonF disse...
Este comentário foi removido pelo autor.