Bússola do Muito Mar

Endereço para achamento

jjorgecarvalho@hotmail.com

Número de Ondas

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Seis estrofes de prosa


1. Uma senhora de muita idade compra, na pastelaria do meu quotidiano, quatro pães e paga-os com numerosas moedas que tira, lentamente, de uma bolsa castanha, bastante puída. Sai depois dali com vagares de doença. Vejo-lhe, de viés, o olhar triste e o desalinho da roupa escura e velha. O dia brilha contra a velhinha, no limiar da porta. Por breves segundos, a luz interrompe-se. Bebo um café, entretanto, e (d)escrevo esta circunstância que rodeia o que vou, aqui, sendo.

2. Por causa de um livro de José Rodrigues Miguéis, viajo mentalmente de comboio. Regressa-me uma imagem antiga, espécie de metáfora a caminho de ser alegoria: a viagem ferroviária como símbolo da nossa vida passando-avançando firmemente, inexoravelmente para o fim, enquanto em sentido contrário lapsos de mundo voam para trás, isto é, vamos perdendo lugares, árvores, pessoas, coisas. Escrevo um texto sobre isto para o Arco-Íris, jornal da minha Escola. Hei-de trazê-lo ao “Muito Mar” quando for a ocasião certa para tal.

3. Um cão urina placidamente, pelas sete e meia da tarde, à porta de uma instituição bancária da minha rua. Pergunto-me o que dirão os mercados de tão rafeiro atrevimento.

4. O Jornal de Notícias fala da sucessão no PS. José Sócrates saiu enfim de cena. Um homem sem cultura humanista, sem profundidade política ou humana, sem ideologia, que foi papagueando as frases mais convenientes em cada altura, conseguiu chegar a secretário-geral de um grande partido português. Previsão: a clique que o incensou há-de oferecer-nos, em breve, os mais sujos obituários do ex-iluminado. Talvez Sócrates se encha de brio e, para calar os que teimam em duvidar das suas capacidades académicas, faça um curso superior. Aliás, outro curso. Um curso, vá.

5. A minha família precisava de mim em Coimbra, agora. Eu tenho a pistola das obrigações apontada à cabeça e não vou. Uma senhora, em conversa de circunstância na churrasqueira do Arco, diz-me que a nossa terra é onde ganhamos dinheiro. Eu digo: Pois é. Mas a minha família precisava de mim em Coimbra e eu estou aqui. A nossa terra deve ser onde estão os nossos.

6. Estou a ler Mario Vargas Llosa. Lima parece (como advertira, em prefácio, João de Melo) Lisboa, ou (como agora digo eu) Coimbra. A literatura é que é a minha terra.

Ribeira de Pena, 08 de Junho de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.clubedafotografia.blogspot.com.]

Sem comentários: