Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Barco-biografia

Já fui um barco assustado
À beira de naufragar.
Vi-me outras vezes parado
Não podendo navegar
(Que não há barco levado
Sem água para o levar).
Navegar é o meu Fado
Não posso não navegar:
Quero ir p’ra outro lado –
Falta-me às vezes o Mar!

Arco de Baúlhe, 30 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (capa do meu livro Um Barco Chamado Sophia Loren) foi colhida em http://www.muitomar.blogspot.com.]

terça-feira, 29 de maio de 2012

Crónica sobre a profissão principal

Vou falar-vos da minha vida profissional. Faço-o envolto numa ideia que brilha em certo poema de Eugénio (“Poema à mãe”) – a de o destino dos pássaros ser, logo após a aprendizagem do voo, eles partirem, irem-se embora. Voarem para fora de nós.
A minha filha é um desses seres voadores que deu em crescer e em ter vida própria, à revelia dos pais. É assim a vida? É. Eu é que nunca me habituei a tal independência voadora e sofro muito.
A minha biografia, sabei, resume-se hoje ao medo constante de que a ave caia, se magoe, se desiluda, sofra alguma injustiça – e que eu não esteja (não possa estar) por ali perto do seu voo pessoal para, sendo necessário, interferir, domar o destino, evitar a má sorte.
Prometi que falaria da minha vida profissional, não foi? E cumpri, senhores. Ora atentai: nasceu-me, há já vinte e sete anos, uma filha e o meu ofício principal tornou-se, daí em diante, para todo o sempre, ser pai.

Arco de Baúlhe, 29 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (a "Luluzinha" de uma bd que eu e a VL gostamos) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.nomesportugueses.blogspot.pt]

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Vista a coisa, digamos, de comboio



A viagem tem como fatal destino
O fim.
Já isto me dói desde menino
Assim.


Eu indo é que me mereço
O futuro -
E perder quanto vejo é um preço
Duro.


Sim, indo é que me conheço
Vindo –
Mas perder quanto vejo é um preço
Lindo!


Coimbra, 28 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.jomirifefotos.blogspot.com.]


domingo, 27 de maio de 2012

Ai, Verão

Mulheres de leves vestidos
São excessos de calor
E acendem lobos sentidos
No inocente olhador.

Coimbra, 27 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (“Les Demoiselles d’Avignon”, de Picasso) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.art-on-google.com.]

Drama lúdico-lírico (com cacofonia final)

Vou ao Futuro, às vezes, de fugida
Para ver o Mar que há no meu fim;
Mínima parece a minha vida
Vista do Futuro, além de mim.

Outras vezes, no Passado ausente
Busco um curso d’água original
E vejo como novo novamente
O velho rio que corre no Choupal.

Mas é Presente só quanto se passa:
Eu no Café escrevendo o verbo ir -
A resolver com ritmos e graça
O delicado puzzle d’existir.

Coimbra, 26 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.cavalinhoselvagem.blogspot.com.]

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Terra nossa


A gente diz: Vou à terra. Mas, se a terra é um lugar de amor, isto é, uma possibilidade feliz de estarmos-sermos, não é bem disso que se trata. Devia dizer-se, nestes casos: Vou ao céu.
Triste seria andarmos por outras terras quando nelas, nem por instantes, nos sentimos em casa. Não é esse, aleluia, o meu caso.
Pior ainda, imagino eu, é acontecer a um homem não ser de nenhuma terra. Para onde vão estes homens, quando em vão viajam para outro lugar, na busca desesperada de um espaço onde se sintam bem?
Não ter raízes deve ser uma forma de inferno.


Arco de Baúlhe, 25 de Maio de 2012 (hora d'almoço).
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.coimbra.hostel.blogspot.com/.]

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Neo-realismo (im)puro e duro

Docemente cai a tarde, noite a haver, enquanto Portugal regressa a casa (do trabalho, dos gabinetes de emprego, da preguiça voluntária ou sem querer). O país vai jantar no segredo doméstico, queixar-se da vida, suspirar preocupações por facturas de casa-gás-luz-água-fruta. Talvez também atordoar-se com a televisão, ver o mundo da janela alugada, dormir (antes, ou depois, ou em vez do rápido amor).
Ainda vejo transeuntes trocarem múrmuros votos de boas tardes, boas noites. Na padaria, ao pé da minha mesa, lado direito do balcão, uma mulher com – deixai-me adivinhar – cinquenta anos, de velho vestido azul e chinelos pretos, compra dois pães: procura, sob o paciente olhar da empregada, as moedinhas que hão-de perfazer a conta pobre. Recebe, depois, um cêntimo de troco. Sorriem ambas, vendedora e adquirente. Sorrio eu igualmente, mas não alegre.

Coimbra, 24 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.jotaedu.blogspot.com.]

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sol e Dó (Três quadras d'aquém-mar)

1
Amo o decote cão
Da moça passando agora –
Doce oferta de Verão
Que dura até ir-se embora.

2
Eu te saúdo, Beleza
Meu veneno salvador!
Menina Delicadeza
Nossa Senhora d’Amor!

3
Quem me dera ser patrão
Da minha vida a passar!
Quem me dera comprar pão
Num sítio perto do Mar!

Ribeira de Pena, 23 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (da tão bela Nastassja Kinski, a actriz inesquecível de Tess) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.wikipedia.com.]

terça-feira, 22 de maio de 2012

Pão de homem


É fruto a vida às vezes
Às vezes a vida é pão
Tudo nos é dado às vezes
E outras vezes já não.

É vida o pão afinal
Por ser do homem destino
Ir do trigo inicial
Ao pão que o torne digno.

Arco de Baúlhe, 22 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem ("A Colheita de Trigo", de Pieter Brueghel, século XVI) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.viaintegral.com.]

Escrito a Norte


No Verão de 1980, o Clube de Futebol União de Coimbra estava no Algarve, em Lagos, para um torneio de futebol. No primeiro dia, empatámos 1-1 e eu fiz um grande jogo. À noite, meio acordado, meio a sonhar com o meu futuro brilhante, andei por aquela cidade tão cosmopolita com o Lobo, o Bonacho, o Marroni, talvez o Januário, todos com aquele espanto de que só as crianças e os provincianos gloriosamente são capazes.
Numa festa à entrada de um hotel, vi certa loira muito linda, provavelmente alemã, a dizer (em inglês) a um macho luso que não poderia sair, oh my darling, porque o marido estava just there. Vi um casal quarentão (mais jovens, ambos, do que eu agora, altos, talvez americanos) dançando no cais uma melodia que, ali, mal se ouvia, sem ninguém à volta senão o adolescente encantado à espera do dia certo para escrever sobre a coisa vista. Vi um pescador bastante velho a vomitar num muro da marginal. Vi o meu treinador, o senhor Pinho, numa larga esplanada, a rir-se de uma anedota do director Sarmento. Vi meninas portuguesas e estrangeiras tão bonitas como as mais belas actrizes  que eu conhecia só do cinema e dos sonhos (a preto e branco ou a cores). Vi gajos maricas e senhoras trintonas interrogando-me, com os olhos, sobre a disponibilidade para alguma aventura de rápida carne.
O mar de Lagos sentia-se à roda, mais do que se via. Estava um calor bom de Verão bom. Houve só, por segundos, esse pormenor de muito ao longe algum relógio d'igreja bater as horas. Mas havia festa por todo o lado e eu era tão jovem, tão brilhante, tão cheio de esperanças - que não poderia adivinhar o outro lado daquilo: o estar, trinta e dois anos depois, escrevendo sobre a falta que me faz Lagos, isto é, esse exacto tempo e esse exacto lugar da minha muito amada juventude.
Na manhã seguinte, mal dormidos, ganhámos a final (golo, creio, do Moinhos) e, no regresso, prometi a mim próprio que, mal me reformasse do futebol, aplicaria parte da fortuna ganha na aquisição de casa junto à praia, naquele cantinho do Algarve que afinal ficou, para sempre, demasiado a Sul de mim.

Ribeira de Pena, 21 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (foto de Lagos) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.barlionheart.com/.]

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Sempre Sporting. Sporting sempre


O meu Sporting perdeu a final da taça de Portugal. Ganhou (creio que sem brilho especial) a Académica, essa equipa que a comunicação social imaginosamente apresenta como "dos estudantes".
- Está triste ou alegre? - questionaram-me alguns conhecidos, no fim do jogo do Jamor. Sabiam do meu amor verde&branco, por um lado, e da minha origem coimbrinha, por outro.
Se me conhecessem melhor, poupar-se-iam ao trabalho da pergunta. Ainda por cima, essa curiosidade amigável atiçou-me a azia de mais uma desilusão.
Sou, desde menino, do União de Coimbra e do Sporting. E tenho um particular carinho pela Académica amadora (AAC - Secção de Futebol). O resto importa-me pouco. Não exulto com os insucessos da Académica dos profissionais, atenção, mas tão-pouco me orgulho das suas pontuais proezas.
De modo que o sumário lírico-desportivo do dia de hoje é (mais) uma derrota. Injusta, segundo a razão crítica do meu pobre coração.
Mas, tal como não deixo de dizer do 25 de Abril, Sporting - sempre!

Ribeira de Pena, 20 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (foto de um dos meus queridos ídolos de infância e adolescência, o Senhor Manuel Fernandes) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.daduvida.blogspot.pt/.]

domingo, 20 de maio de 2012

Totoloto



No intervalo da escrita e da leitura
Queria o totoloto, se possível
Que eu preciso de literatura
E o meu carro de combustível.

Ribeira de Pena, 20 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho

Tenda pontual

Um acidente terrível. A Morte. O Fim em versão de inevitabilidade antecipada. Aquela escura mancha dos funerais. O frio e a chuva.
Em Aquele Grande Rio Eufrates, Ruy Belo fala de despedida como uma ida à "outra margem" e lamenta a inexistência de "tenda verbal" que diga tudo quanto se sente perante tão magna dor.
Com a idade, sentindo isto na própria carne ou na dos nossos semelhantes (amigos, colegas, conhecidos, contemporâneos), cada vez melhor e mais tragicamente percebemos a fragilidade de existir e de, sobre a nossa impotência face a inexistir, ser tão difícil dizermos tudo quanto sentimos.
Monto aqui a minha tenda verbal e deixo-me estar, por lutuosos instantes, dentro dela. A delicada construção não me livra do frio nem da chuva.
Abraço para a C. que perdeu subitamente o pai.

Ribeira de Pena, 19 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www/.idadecerta.com.]

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Palavras por cidade

As palavras são perigosas. Pode começar-se uma guerra com palavras. E uma guerra pode, por exemplo, destruir uma inteira cidade. Mas as palavras também podem ajudar a reconstruir uma cidade. (Não bem reconstruir, se formos rigorosos, porque uma cidade destruída nunca mais pode voltar a ser a mesma cidade.)
As palavras podem matar, portanto, uma cidade. E extensões da cidade, já agora: a simpli-cidade, a feli-cidade. Dá-se ainda o caso de outras palavras poderem ajudar a reconstruir estes territórios destruídos. (Não bem reconstruir, se formos rigorosos, porque a simplicidade e a felicidade, uma vez destruídas, nunca mais poderão voltar a ser as mesmas coisas.)
O pior de tudo, neste panorama perigoso das palavras, talvez seja a cumpli-cidade. Nenhuma palavra é capaz de, uma vez destruído este reduto tão puro, lindo e querido, nos devolver o oxigénio cúmplice em que, por instantes, fomos-somos capazes de residir.
A cidade da cumplicidade é um condomínio fechado e raro, não obstante ser um lugar e um tempo fundamentalmente simples. Podemos ser felizes lá.

Ribeira de Pena, 18 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (da melhor série de sempre, Seinfeld) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.alternative-prison.blogspot.pt.]

Défice de eternidade

A única coisa que por estes dias me parece eterna é, descontadas outras hipérboles menores, a dívida da casa à Caixa Geral de Depósitos.

Ribeira de Pena, 18 de Maio de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.tocadacotia.com.]