Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Trasfega


A MP levou para a Madeira, a recomendação minha, um livro de contos intitulado Trasfega (Lisboa, Ed. Dom Quixote, 2003), de Cristóvão de Aguiar. No regresso, quis discutir comigo alguns aspectos de algumas das narrativas e eu, por dever de exegese, obriguei-me a reler a obra.
Cristóvão de Aguiar é um escritor açoriano que mereceria, da parte de críticos e das instituições académicas, um reconhecimento maior. A pátria parece preferir, à literatura, derivados industriais sousa tavares, rebelo pintos, dos santos, etc.
Conheci pessoalmente este exímio cultor da palavra literária, no âmbito de um Prémio Literário em que fiz parte do Júri, e pude até, numa das reuniões de trabalho, beneficiar de uma sua generosa oferta – queijinho dos Açores, com o pão e vinho que se pôde arranjar. Aproveitei a ocasião para lhe solicitar, em dois dos seus livros, a graça de autógrafos; ele acedeu e acrescentou-lhes simpáticas dedicatórias.
A sua maior obra é, sem dúvida, Raiz Comovida, canto ilhéu & universal que me parece superior ao canónico Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio, ou ao celebrado Gente Feliz com Lágrimas, de João de Melo. [Parênteses: a expressão “Raiz Comovida” é um achado; não deve haver melhor designação para isto que se passa com quem faz da linguagem um tributo permanente ao chão de onde vem.]
Trasfega é – humanamente e literariamente - uma brisa de beleza, singeleza e engenho. À boleia de histórias muito simples e, apesar disso, sempre surpreendentes, cruzamo-nos com o pensamento, as emoções e os modos de falar da gente do povo (sobretudo, da gente das ilhas). No meu (pessoalíssimo) Plano Nacional de Leitura, eis um livrinho para recomendar muito vivamente.
Reli-o na praia da Tocha, num cantinho atlântico muito limpo e sereno que pede meças a qualquer estância turística do nosso país.
Bem a propósito, a páginas tantas, Cristóvão de Aguiar cita o intemporal Torga:
“O destino destina, mas o resto é connosco.”
Num tempo cheio deste negrume ominoso que a crise e respectiva retórica trouxeram aos nossos dias, vale a pena o aconchego torgaguiariano, não achais?
O destino é o destino, pois sim. Mas enquanto há vida, é connosco.

Coimbra, 30 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A foto de Cristóvão de Aguiar foi colhida, com a devida vénia, em http://www.blogueforanadaevaotres.blospot.com.]

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Família(s)


Na infância, sente-se a verdade; na maturidade, percebe-se. Por exemplo, que a família é muito importante para a felicidade do ser humano.
Os gregos lá descobriram, sem grande dificuldade, que a raça humana é eminentemente gregária. Um deles, talvez o maior de todos, chamou ao mamífero que somos um animal social. Tudo a ver com a noção de família, senhores.
Sei hoje que temos, ao longo da nossa vida, não uma mas várias famílias: os pais, os irmãos, os primos; a mulher (ou o marido), os filhos; os amigos; os colegas; os nossos alunos; os vizinhos; a arte; a religião; o clube; a humanidade.
Quando escrevo, é tudo muito incompleto se não houver, para o que produzo, leitores.
De modo que, atenção, podemos sobreviver sozinhos. Mas precisamos de uma família (de várias famílias) para viver.

Coimbra, 25 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.familyguy.com.br.]

Ofício intelectual


Um amigo lança-me a provocação:
- O problema deste país é haver muitos intelectuais.
Respondo:
- É um problema haver quem diga que ser intelectual é um problema.
Ele volta à carga:
- Não me lixes, pá. Que faz um intelectual, hã?
Eu não estou à espera de uma pergunta tão radical e levo dois, três segundos a retorquir. Consigo-o, enfim. E, como o enunciado me agrada, (e)levo-o a texto blogável.
Respondo:
- O trabalho do intelectual consiste no esforço de arrumação lógica e dinâmica da informação e do conhecimento.


PS: O meu amigo, atenção, não se ficou. Disse-me ainda: "Tá bem, abelha!"

Coimbra, 24 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto JJC]

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

22 de Agosto


Se eu estivesse na Madeira e o Mestre João fosse vivo, hoje era dia de festa rija: espetada, pãozinho bom, vinho a rodos, música, gargalhadas. O pretexto para a celebração seria (mais) um aniversário - o 51.º - de casamento. Sei que, no Caniçal, como de costume, houve missa e que, com menos gente que habitualmente, a família se reuniu.
A minha filha, certo dia, interpretando o que sentíamos todos, saiu-se com esta: "O dia 22 de Agosto é o nosso Natal na Madeira." Certíssimo, VL!
Ainda estava vivo o Mestre João quando eu escrevi (e lhe dediquei), em 2008, uma novela intitulada A Casa Circular. A personagem principal desta narrativa era determinado "Manuel Vieira" que, em boa verdade, tinha muito do meu sogro. Permito-me recordar, aqui, o final do terceiro capítulo:
«A família era o bilhete de identidade de Manuel Vieira. O seu lugar. O seu calendário. O motivo para acordar todos os dias e acreditar no futuro.
- E os outros, mestre Manuel? - perguntara, uma vez, o padre Fontinhas.
- Os outros são parte da família - respondera o velho, à gargalhada.
E acrescentara, tocado subitamente pela graça da poesia em seu discurso de homem simples:
- A minha família é como a minha Igreja. Não tem tecto.»
Senhor João, Mestre, Amigo: que grande honra foi tê-lo conhecido!

Coimbra, 22 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

Síndrome de Helder Postiga


Que triste é nunca bem realizar
O destino apetecido que sonhamos.
Tão dura é esta febre de faltar
Sempre qualquer coisa ao que tentamos.

Que triste é nunca ser grande o bastante
(Subir ao quase Olimpo e ficar fora)
Dói tanto estarmos só a um instante
De chegar a tempo à certa hora.

Coimbra, 22 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.coisa-de-leoes.blogspot.com.]

domingo, 21 de agosto de 2011

Sporting, isto é, a crise


Sou do Sporting Clube de Portugal desde que nasci. A minha família toda, incluindo a que veio a decorrer do meu casamento e dos casamentos de meus irmãos, é (salvo lamentáveis excepções) sportinguista.
Estou, depois de termos empatado com o Beira-Mar, aborrecido como um Nietzsche em fase terminal. Mas sou, agora, ainda mais sportinguista. (Percebe-se isto? Claro que não: o amor é da esfera, sobretudo, do irracional.)
O jogo de hoje, para além da dolorosa incompetência (inadaptação ou má forma) de Wolwswinkel, de Schaars, de Matías Fernandez, de João Pereira, etc., ficou marcado pela ausência de um árbitro mimado que, por não suportar as (justíssimas) queixas do presidente do Sporting, corroboradas aliás por tudo quanto é jornalista em Portugal, se recusou a apitar.
Esta ausência merece alguma reflexão. Num país onde toda a gente se queixa da arbitragem, bastou o Sporting lamentar-se publicamente - e logo os medíocres do apito se sentiram "ofendidos". Que dizer, então, das recorrentes alfinetadas de Pinto da Costa (quando o sistema, por segundos, falha)? Ou das queixas (em sede, até, de tribunal, com divulgação de escutas e tudo) do Benfica? Etc., etc., etc.???
Portanto, os senhores árbitros (quero dizer: estas almas, incompetentes e bem pagas) têm acessos de comichão ética (só) quando se trata do Sporting, não é verdade?
O raio que os parta!

PS: O treinador Domingos Paciência ainda não percebeu que, entre Schaars, André Santos e Rinaudo, só pode jogar um de cada vez?
PPS: O melhor defesa lateral esquerdo do Sporting é, em minha opinião, Diego Capel.
PPPS: Helder Postiga deveria ter, no Sporting, a posição "10", isto é, a que, no Benfica, tem Aymar.

Coimbra, 21 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Ponto de ordem


Em Madrid, ontem, o Papa Bento XVI lembrou que a economia deve centrar-se, mais do que na maximalização do lucro, nas necessidades da pessoa humana.
Ainda não se conhecem as reacções dos sempre sensíveis mercados...

Coimbra,19 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Milagre nos Andes


Ouvi, pela segunda vez, no passado dia 17 de Agosto, na TSF, uma entrevista de Carlos Vaz Marques a Nando Parrado, o autor de Milagre nos Andes (Ed. Casa das Letras). O livro consiste sobretudo no relato de acontecimentos verídicos, vividos pelo entrevistado e por mais quarenta e quatro outros passageiros do avião Fairchild, da Força Aérea Uruguaia, em 1972. Na viagem – com destino ao Chile - seguia uma equipa de râguebi (da qual fazia parte Nando Parrado) que iria jogar uma partida amistosa com uma formação chilena. O avião despenhou-se na vasta zona dos Andes. Vinte e nove almas sobreviveriam à queda e, mais tarde, dezasseis apenas seriam finalmente resgatados de um lugar remoto.
Parrado, na sequência da queda do avião, ficou três dias inconsciente, com o crânio estilhaçado, mas sobreviveu. Como os seus companheiros de infortúnio, resistiu a ferimentos, cansaço, frio (temperaturas de trinta graus negativos), fome, solidão, desespero. Ele próprio encetou uma jornada, que durou dias, até encontrar alguém que enfim contactasse entidades de salvamento. Setenta e dois dias depois do início da tragédia, dezasseis almas, já dadas como oficialmente mortas, regressaram vivas ao mundo dos vivos.
Nando Parrado, sobre a ideia de morrer, explica que o desaparecimento de um homem não altera em quase nada o curso do mundo. Com simplicidade desconcertante, explicou que o regresso à sua terra ocorreu depois de haverem sido rezadas várias missas por sua alma, e que essa circunstância lhe permitira perceber, em concreto, o que se passava depois do nosso próprio passamento. Cito de cor:
“Que se passa quando morremos? Não se passa nada. Não acontece nada. Cães andam pelo jardim, táxis fazem serviços, meninos brincam, homens e mulheres trabalham, raparigas conversam à entrada de um Café, etc. Não acontece nada de diferente. Tudo continua igual.”
A ideia encerra uma óbvia lição. Por exemplo, não nos tomarmos demasiado a sério enquanto vivos; termos consciência da nossa finitude e efemeridade; prevenirmo-nos contra a vaidade e a glória (sempre) fugaz.
Mas eu, que ainda não pude morrer e voltar, tenho uma experiência igualmente profunda que acrescenta algo ao tema. Digo-vo-la: já vi partir gente querida, próxima, insubstituível - e essas pessoas fazem-me, todos os dias, falta.
De modo que, Nando Parrado, vista a coisa do lugar onde (ainda) me encontro, algo se passa quando alguém desaparece. Muitas vezes, tudo.

Coimbra, 18 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Vida que podia ser


Ouço, muitas vezes, alguém dizer sobre um acidente, uma doença, uma perda: "Podia ter sido pior..."
Também ouço ou leio, menos frequentemente, desabafos de quem, chegado ao promontório da adultez madura, lamenta o incumprimento de sonhos e expectativas:
"Podia ter sido melhor..."
Sobre a minha vida - e a de outras pessoas que estão/são também (n)a minha vida - dou eu por mim a pensar, não poucas vezes, que podia ser, sobretudo, maior.
Desde menino que me dói esta fascista fugacidade. Agosto, por exemplo, está quase gasto.
(Vale-me que há um Barcelona - Real Madrid, pelas dez da noite e, às onze, o Portugal - França em Sub-20).
Adiante.

Coimbra, 17 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto JJC]

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Experts em generalidades


Já toda a gente percebeu que os experts em matéria de economia e finanças sabem muito pouco (senão nada) do que se está a passar no país e no mundo. São, no máximo, bons a fazer autópsias ou a debitar sintomatologias. Nos prognósticos, falham quase sempre (mais do que a taróloga Maia) e, em matéria de terapêutica, são - digamos - uns nabos colossais.
Mesmo assim, vemo-los na televisão com um ar grave e sério perorando sobre taxas de juro, agências de rating, reformas estruturais, impostos, despesa & receita, sacrifícios. Num campeonato de generalidades e de vacuidades, seriam o Real Madrid ou o Barcelona.
Entre outros exemplos, aflige-me o modo como Miguel Beleza diz quase nada com aquela pose de quem sabe tudo. Creio que este ex-ministro das Finanças é bem uma metonímia dos economistas portugueses, essa curiosa espécie de médicos-barbeiros do século XVIII.


Coimbra, 16 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.jovemnerd.ig.com.]

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O Amor, segundo Unamuno


O DN de 12 de Agosto trazia um brinde não despiciendo: um opúsculo (de contos) muito simpático intitulado Amores (Lisboa, Rosto Editora, 2011). Conteúdo: “Uma História de Amor”, de Miguel Unamuno (um dos autores mais admirados pelo nosso Miguel Torga); e “A Outra Mulher”, de Sherwood Anderson (que me lembro de ter estudado em Literatura Norte-Americana, aí por 1985).
O conto de Unamuno (com tradução é de Maria Judite de Carvalho) é uma maravilha, quer no plano do enredo, quer no da linguagem elegante e depurada. Ficou-me da leitura um passo formosíssimo sobre a noção de amor (pp. 42-43). Ofereço-vo-lo:
“Esperar o Amor! Só o espera quem já o tem dentro de si! Julgamos abraçar-lhe a sombra e já ele, o Amor, invisível aos nossos olhos, nos abraça e nos oprime. Quando julgamos que morreu em nós, é porque já tínhamos morrido dentro dele. E logo desperta quando a dor o chama. Porque não se ama deveras senão depois de o coração do amante se ter misturado no almofariz da angústia com o coração do ser amado. É o amor paixão partilhada, é compaixão, é dor comum. Vivemos dele sem nos darmos conta disso, tal como nos não damos conta de que vivemos do ar senão no momento da asfixia angustiosa. Esperar o Amor! Só espera o amor, só o chama quem já o tem dentro de si, que vive, ainda que o não saiba, do seu sangue. É a água subterrânea que aviva a secura. Sentimos às vezes securas abrasadoras, como as do campo deserto, que estala de sede enquanto voam à solta, à superfície, as folhas levadas pelo vento suão; e todavia, nas profundezas desse mesmo campo, por debaixo das raízes da sua verdura morta, corre sobre a rocha que a sustém, o manancial das águas do céu. E é o rumor dessas águas profundas que se junta ao rumor das folhas secas. E há um momento em que a terra seca e sedenta se abre e brotam à sua superfície as águas adormecidas. Assim é o Amor.”
Senhores: a literatura é uma praia onde se está sempre bem.

Coimbra, 16 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.mollydood.wordpress.com.]

domingo, 14 de agosto de 2011

Casal Ferrão


Digo-vos, da Terra, o melhor lugar:
A minha infância, em certo dia -
Que o Tempo também serve para estar
E as datas são também geografia.

Coimbra, 14 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto JJC]

sábado, 13 de agosto de 2011

Um modelo fatalmente melhor que os anteriores


O ministro da Educação, Nuno Crato, apresentou a sua proposta de modelo de avaliação dos professores.
Não será, por certo, o modelo ideal. Mas é, creio profundamente, muito melhor que os impostos pelas senhoras Rodrigues e Alçada.
Numa primeira leitura, vejo a possibilidade de se diminuir o ataque ao bom ambiente entre pares, nas escolas, e a (pelo menos, parcial) devolução de Tempo a professores e alunos para o que é realmente essencial - o ensino, a aprendizagem.
Por muito justas que sejam as razões para discordar deste novo modelo, é preciso - para já - distingui-lo do maiúsculo Nojo que, nos últimos seis anos, têm sido as outras propostas.
Dito.

Coimbra, 13 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.missdevil.blogs.sapo.pt.]

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Recessão



1. Regresso a Coimbra ao princípio da noite. Muito mar pude eu ver, ao longo da tarde, na praia (tão) limpa da Tocha.
2. A MP na Madeira; a VL no Alentejo: a minha casa, portanto, quase cheia de nada.

Coimbra, 12 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Fotos JJC)

Conhecer para Ver


O melhor entrevistador da rádio portuguesa chama-se Carlos Vaz Marques. Ouvi-o hoje, pelas dezanove e picos, no programa “Pessoal e Transmissível”, a entrevistar um sábio – José Hermano Saraiva.
Retive, entre outras pérolas do quase nonagenário, esta maravilha:
«Muita gente diz: “Só se conhece o que se vê. Eu acho o contrário – só se vê verdadeiramente o que se conhece.”»
Amen, Professor.

Coimbra, 12 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A foto foi colhida, com a devida vénia, em http://www.alma-algarvia.blogspot.com.]