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Número de Ondas

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Mil anos de Gabo



Morreu Gabriel García Márquez, "Gabo" para os amigos. 
Lembro-me que lhe atribuíram o Nobel em 1982, ano em que entrei para Letras, em Coimbra. Devo confessar, contudo, que não li livros seus senão alguns anos mais tarde. O Daniel Abrunheiro falou-me, certa tarde, à porta da Brasileira, com absoluto deslumbramento, do romance Cem Anos de Solidão. Fiquei tão tocado por esse enlevo pelo colombiano que juntei alguns trocos e comprei, talvez na Livraria 115, aquele livro. Também me recordo de certo colega de Filosofia que, apercebendo-se da minha aquisição, suspirou e disse:
- Que inveja, Joaquim Jorge! Quem me dera estar a ler pela primeira vez esse romance!
Era Verão. Em Mira, numa espécie de garagem que eu, a MP e a VL alugámos para férias, pus-me a ler o romance. Tocado por um encanto cósmico, obsessivo, quase dispensei a comida, a conversa, os passeios. Creio que a minha mulher e a minha filha, por momentos, terão pensado: "Está doido!" E estava, sim, estava - doido pela escrita de García Márquez, pelo modo de contar, pela cor e ritmo de cenas e de personagens. (Um crítico espanhol explicou um dia, de forma lapidar, este poder tão extraordinário: "Domínio absoluto da narrativa.")
Por dia e meio, sem espaço para sonos ou outras interrupções, li, li, li. O final do romance, torrencial e surpreendente, misturava passado, presente e futuro, realidade e fantasia demencial, plausibilidade e implausibilidade. No devir da leitura, eu senti-me esmagado, perdidamente apaixonado pelo colombiano maravilhoso que fora capaz de inventar aquele modo tão novo de me contar histórias.
Depois, claro, li Crónica de Uma Morte AnunciadaO Amor nos Tempos de CóleraNinguém Escreve ao CoronelContos Peregrinos, tudo! Comprei também Viver para contá-la, li (emprestada pelo Conceição) uma biografia não autorizada sobre o escritor e gravei até, em VHS, um documentário sobre a sua vida e obra (que o Daniel, aliás, ainda não me devolveu).
Muitos alunos meus leram já comigo excertos da sua obra, ou ouviram-me falar de aspectos relativos ao território da narrativa que, frequentemente, exemplifico com a narrativa do grande, grande escritor. 
Já reli, ao longo destes anos, muitos dos seus livros e, como é normal nos grandes textos, a leitura (fruitiva, exegética) é sempre uma novidade. Sempre uma primeira vez.
A mim, que compreendo e sinto a literatura como uma espécie de (pessoal) religião, custa-me muito a morte física deste deus verdadeiro. Mas como percebemos, por exemplo, em O Amor nos Tempos de Cólera, só aparentemente é que a morte é mais forte ou definitiva que a vida. Que algumas vidas, pelo menos. Daqui a mil anos, a sua literatura estará por certo, ainda e para sempre, muito viva. Poderá isto parecer pouco no momento da sua partida. E, sim, é muito pouco. Mas a ideia consola-me, querido Gabo.

Coimbra, 17 de Abril de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho

1 comentário:

Nelson disse...

Gabo não morreu.
Continua vivo na/pela magia das suas histórias!!

Abraço
Nelson