Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sábado, 16 de junho de 2012

Azia contemporânea


1. Alguns dos melhores professores da minha escola podem ver-se de súbito no desemprego. O governo poupa aqui e gasta no BPN e nas PPP. A opção é o retrato da minha contemporaneidade medíocre e despudorada.


2. Jovens com a idade da minha filha (como ela, cheias de habilitações e competências) não conseguem trabalho no país que lhes disse "Estudem para o futuro ser melhor". Os arautos do neoliberalismo (uma neo merda que é uma merda velha) dizem que tudo se resolveria se os mais velhos não tivessem direito a emprego "para a vida". A lógica é óbvia - fazer acreditar que os direitos são afinal luxos e que a pobreza (senão a escravatura) é condição natural da humanidade.


3. Aquele mito da progressão baseada na "meritocracia" esconde o apelo da selva que (Jack London à parte) preside ao pensamento dos pançudos velhos e ao dos jotinhas aspirantes a uma pança futura. Em boa verdade, significa que os "melhores" (mais aptos, mais altos, mais rápidos, mais fortes) triunfam e os "menos bons" (muitas vezes, os mais incapazes de funcionar segundo a lei da selva) são triturados. Dá-se o caso de esses "menos bons" (muitas vezes os que obedecem, sem remédio, a essenciais princípios de ética) terem também filhos, doenças, contas para pagar - e sonhos. Como, olhai bem, "os outros".


4. Um tal César das Neves veio a Cabeceiras de Basto dizer, com a imponência balofa dos especialistas em economia (mais virados para as autópsias da sociedade do que para o tratamento dos problemas), que os professores ganhavam de mais. Aqui para nós, um professor vence, no final de uma carreira de, pelo menos, trinta e cinco anos (se entretanto não for novamente roubado pelo movediço Estado), cerca de 1.800 euros. Estranhamente, ninguém perguntou ao doutor sabichão pela grandeza e legitimidade do seu próprio salário.


5. António Mexia disse, certo dia, que o seu prémio de cerca de um milhão de euros - um pequeno extra para o seu rendimento anual - se devia ao facto de haver atingido os objectivos da empresa (monopolista) que estava e continua gerindo, à boleia do PS ou do PSD. Que pensará este indivíduo feliz da possibilidade de se aumentar o ordenado mínimo nacional para 500 euros mensais? Achará que se trataria, como dizem outros obesos gestores da pátria, de uma terrível imprudência? (Entre parêntesis, uma pergunta aos chineses: que acharia Mao Zedong, ideólogo dessa grande nação de accionistas orientais, de uma personagem como Mexia?)


6. Que direito divino determinará que os pais dos meus alunos não tenham direito a subsídio de desemprego e, simultaneamente, alguns familiares de gente importante tenham acesso a lugares no Estado com ordenado chorudo e a prerrogativa de não perderem o direito (excepcional, no país) aos subsídios de férias e de natal?


7. Pergunta muito comprida: por que razão não foram os bancos obrigados a diminuir os montantes das prestações que os devedores, entretanto roubados no ordenado e sujeitos ao aumento de impostos, têm de mensalmente continuar a cumprir em nome de um suposto esforço nacional para vencer as dificuldades financeiras do país?


8. Os vampiros vivem à custa do sistema, com fausto e conforto, mas criticam sempre "os outros", com aquela pose magistral dos peritos em política e finanças. Se lhes apontarmos contradições, erros, mentiras, evidências das injustas desigualdades, atiram-nos logo com a "demagogia" à cara. Está-se mesmo a ver: Cristo, Ghandi, Marx, esses grandes demagogos, não teriam hoje lugar nos debates da tv generalista.


 9. Por que motivo sobe a extrema-esquerda e - atenção! - a extrema-direita (na Grécia e, previsivelmente, na Europa em geral)?

Ribeira de Pena, 15 de Junho de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (de Salgueiro Maia, um herói imaculado do século XX) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.liberdadeecidadania.blogspot.com.]

3 comentários:

Nelson disse...

Subscrevo (na integra) as palavras doutas do meu amigo.

Abraço
Nelson

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Abraço, Nelson!

Paulo Pinto disse...

Todas as perguntas que fazes pairam na consciência colectiva. 90% das pessoas, umas de forma mais estruturada, outras mais difusamente, se interrogam e se indignam. Tudo isto tem que resultar mais tarde ou mais cedo numa mudança de paradigma.
Com sorte, as eleições na Grécia hoje poderão ser o catalisador dessa mudança.
Um abraço.