
Tão cedo deveio perdida
A vida que sonhei ter.
Tão cedo deveio havida
Em mim a vida a haver.
Ribeira de Pena, 30 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.astormentas.com.]
Eu amo o Verão, mas sou do Outono. A minha vida é feita sobretudo do tempo que ainda falta para o Verão. É uma vida geralmente pobre de mar. Contudo, teimosa como um rio, caminha sempre, desde sempre, para a certa foz a haver. O passado, o presente e o futuro são muito mar.
"Life happens while we're making other plans."Um dos maiores problemas da vida é ela tratar-se de uma narrativa que prescinde, quase sempre, do nosso contributo demiúrgico. Sucede simplesmente, à revelia da nossa vontade, dos nossos planos. Algumas, poucas vezes, as circunstâncias são coincidentes com o nosso desejo íntimo (até com pulsões insuspeitas que eram, sem que o soubéssemos, caminhos de felicidade). Mas isto é raro.
(John Lennon, citação recolhida há uns trinta e quatro anos, nas Selecções Redader's Digest, num consultório de dentista.)
Autoridade é do que é autor.
Só a autoridade confere autoridade.
A autoridade não é uma quantidade.
Todo o homem é teatro de uma inexpugnável autoridade.
Aquele que julga ser possível autorizar ou desautorizar a autoridade de outrem não sabe no que se mete.
Liberdade.
A liberdade conhece-se pelo seu fulgor.
Quatro homens livres não são mais liberdade do que um só. Mas são mais reverbero no mesmo fulgor.
Trocar a liberdade em liberdades é a moda corrente do libertino.
Pode prender-se um homem e pô-lo a pão e água. Pode tirar-se-lhe o pão e não se lhe dar a água. Pode-se pô-lo a morrer, pendurado no ar, ou à dentada, com cães. Mas é impossível tirar-se-lhe seja que parte for da liberdade que ele é.
Ser-se livre é possuir-se a capacidade de lutar contra o que nos oprime. Quanto mais perseguido mais perigoso. Quanto mais livre mais capaz.
Do cadáver dum homem que morre livre pode sair acentuado mau cheiro – nunca sairá um escravo.
Autoridade e liberdade são uma e a mesma coisa.
Coimbra, 02 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem, de Salgueiro Maia (porque tem tudo a ver), foi colhida, com a devida vénia, em http://www.pt-br.facebook.com.]
Aurora
a poesia não é voz - é uma inflexão.
dizer, diz tudo a prosa. no verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. no verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
e aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:
voo sem pássaro dentro.