Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Ainda outras notas setembrinas


1. Sofro de uma hipocondria digna de Woody Allen. Quando, na televisão, algum locutor ameaça com documentários ou entrevistas sobre doenças fatais, apresso-me a zappar e, como uma avestruz assustada, enfio a cabeça no território aconchegante do Não Quero Saber. A mortalidade incomoda-me como um furúnculo. A cada passo, sinto sangrar as virilhas da alma. Ainda por cima, a minha Mãe anda frágil como uma flor de vaso.

1.1. Entre outros desconfortos, há essa certeza de que a minha literatura cairá no rio Letes de contemporâneos e vindouros. De modo que, convenhamos, ando para aqui a escrever para nada... (Por outro lado, reparo, alguns dos mais belos cantos d'aves não duraram senão primaveras breves. Coincidiram, em determinado instante, as criaturas canoras e a minha atenção - e foi quanto bastou para haver beleza. Escrevo para agora.)

2. No meu tempo de jogador iniciado-juvenil-júnior do União de Coimnbra, acontecia muito recebermos colegas vindos da Académica. Causava-nos espanto o facto de tão excelentes jogadores serem dispensados pelos doutos treinadores e directores do clube rival. Murmurava-se que, à época, contavam mais as cunhas do que o talento futebolístico: portanto, ficavam no clube dos doutores, a ser verdadeira essa "lógica", os filhos dos dire(c)tores, os sobrinhos e conhecidos de fidalgos coimbrinhas, etc. A verdade é que, no meu tempo, o União ganhava muitas vezes à Académica nas camadas jovens.

2.1. Alguma coisa terá mudado, entretanto. O meu sobrinho António começou, há duas semanas, a jogar na equipa de iniciados da Associação Académica de Coimbra. Ficou "lá" porque tem valor; ora, isso é bom para o seu currículo e para o currículo do seu novo clube.

3. O meu pai era, como eu, do União (do "Ónião"). Alguns clientes da oficina metiam-se com ele e lançavam-lhe provocações:
- Ó senhor José, os adeptos do União são uns bebedolas...
O meu pai não se desfazia:
- Em geral, gostamos todos de copos, senhor doutor. Mas no União tanto faz cerveja como vinho ou outras bebidas caras. Os da Académica é que exigem uísque para a bebedeira. Mas vem tudo dar ao mesmo...

4. Ando a reler, desde ontem, Persuasão, de Jane Austen. Confirmo esta ideia: há romances que valem pela sua qualidade literária; e outros que, embora mais fracotes de um ponto de vista linguístico e poético, valem pela sua competência estético-comunicacional. Como explicou Barthes em O Prazer do Texto, há diferentes modos de amor e de volúpia. Na vida como na literatura.

Ribeira de Pena, 28 de setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (rosto de Jane Austen) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.armonte.wordpress.com.]

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