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Número de Ondas

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

ZONA DE PERECÍVEIS (12)

Rua da Mãe

O Toninho da Farmácia publicou, na sua página de facebook, uma fotografia em que aparece ao lado de um desportista famoso. No mesmo dia, por coincidência, publiquei uma fotografia da minha Mãe, tirada no último Natal – um instantâneo dela vagamente sorrindo, cheia de idade. O Toninho pôs um like na minha publicação, eu fiz o mesmo à sua.
A Rita é a esposa do Toninho, conheço-a desde a escola primária, é muito boa gente. Para se meter comigo, sustentou que facebook “a sério” era o do marido: fotos e textos de pessoas mesmo importantes, famosas. Lá lhe respondi que a maior celebridade que eu conhecia era a minha Mãe. Não se desfez: “Eu falo de pessoas com direito a nome de rua, pá. Qual é a rua da tua Mãe?” E despediu-se, com um gesto gaiato, seguida pelo Toninho, ambos a rir-se.
Já não tive tempo de responder: que a maioria das pessoas importantes, mesmo as famosas, não chega a ter o seu nome em placas toponímicas, sobretudo se culpadas do consabido sacrilégio de estarem vivas. Dei simplesmente por mim, naquele Café coimbrinha, a pensar no ser humano que me calhou em Mãe. Dela vos digo: sofre pelo planeta inteiro desde que a conheço – família; vizinhos; pobres que televê ou encontra nas ruas por onde passa; variegadas vítimas do vazio da vida; velhices coetâneas sem saúde e, uma vez por muitas, sem esperança. Sempre a vi partilhar o magro bornal de suas palavras e economias com quem, a cada momento, mais precisava. Diz que gostava de ganhar o totoloto para poder ajudar mais.
A sua bondade é-me uma luz bem útil. A sua santidade (depurado este conceito do bolor e do ranço convencionais) é um pedagógico contraponto às nossas existências distraidamente venais. Por razões de coração e de filosofia, admiro e venero esta ONG. 
Ela chama-se Delfina e, já vo-lo admiti, não tem o nome inscrito na toponímia oficial. Mas eu hei-de dizer isto à Rita: “A rua da minha Mãe é o mundo inteiro. Embrulha!”

Ribeira de Pena, 25 de Outubro de 2015.
Joaquim Jorge Carvalho

[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 28-10-2015.]

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