Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

ZONA DE PERECÍVEIS (11)



9 parágrafos com destino ao Mar

1. O pior não é o acordo ortográfico ser um crime – é ser um crime premeditado.
2. Baterem à porta dos nossos olhos e pedir licença para entrar – eis o princípio da amizade. Entrarem pelos olhos adentro sem pedir licença – isso é já o amor (ou, então, um murro bem dado).
3. Usa-se a expressão “actores políticos” para referir aqueles que actuam na cena política. Tendo em conta a qualidade dos envolvidos (e alguns tão óbvios erros de casting), afigura-se-me preferível a expressão “canastrões políticos”. E sobre o encenador, calma, nada direi senão paz à sua alma!
4. Deveria haver obrigação de exames médicos ao coração dos que, como eu, andam pelo mundo atentos à beleza transeunte. Digo-vos: não sei se estou preparado para o próximo Verão.
5. Havia uma piada, algures pelo século XX, que distinguia socialismo de capitalismo dizendo: “O capitalismo é a exploração do homem pelo homem; o socialismo é o inverso.” Lembrei-me disto quando ouvi um ex-deputado do PSD a defender que o seu partido defende a Europa e Portugal, e um dirigente do PS a defender que o seu partido defende Portugal e a Europa.
6. A literatura e o cinema são uma forma livre de viajar, mas nunca gratuita. Tenho muitas vezes pago o preço (doce ou doloroso) dos sustos provocados por alguma Beleza e alguma Verdade em páginas ou telas por onde ando. Nunca é simples. Nunca é inócuo.
7. O desprezo que muitos políticos votam à cultura e à educação é, em geral, um belo atestado da sua própria estupidez. Não se pode estimar o que não somos capazes de perceber. Quem não tem cultura nem educação, senhores, não dá pela falta da cultura ou da educação.
8. O mito de Sísifo descreve, com cínica economia, a vida de toda a gente. De um modo ou de outro, todos continuamente carregamos, montanha existencial acima, uma pedra pesada e resvalante. Mas a lição deste mito não é, creio, que “parar é morrer”. É mui simplesmente que “desistir é morrer”. Porque parar, atentai, não é assim tão mau. Eu, por exemplo, preciso muito de parar para reflectir e para escrever. Para resistir. 
9. Ficam-me, no final da labuta lectiva de 3ª Feira, bem debaixo da língua, certos versos de Ruy Belo - “É tão triste no Outono concluir / que era o Verão a única estação”. Saboreio-os como se fossem um fruto. Sabem-me, acreditai, a ondas do mar.

Ribeira de Pena, 19 de Outubro de 2015
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 22-10-2015.]

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