Bússola do Muito Mar

Endereço para achamento

jjorgecarvalho@hotmail.com

Número de Ondas

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

ZONA DE PERECÍVEIS (3)

Bolsa de Agosto

Passei o mês de Agosto em Coimbra, minha pátria natal. Acumulo este prazer filial com a praia, aqui a 40 quilómetros, pelo que muitas vezes viajei, nas últimas semanas, até à Tocha. Apesar da felicidade das férias, nunca consigo estar completamente em paz, tão profunda é a noção de que o tempo bom – mais do que o mau – passa tão celeremente. Ganhei, aliás, o hábito de, a cada ida à praia, trazer para casa uma concha, e de no seu interior inscrever a data da sua recolha: faço por acreditar que ali guardarei essas horas amáveis na companhia do mar.
Durante o mês de Agosto, sinto ainda mais em mim essa urgência de existir que poetas e emigrantes tão bem conhecem. Com a disciplina dos aflitos, habituei-me a deixar preparado, a cada noite, no terceiro degrau do meu duplex coimbrinha, o saco da praia: toalha, chinelos, peças de fruta, água, livro, caderno, esferográfica. E, acreditai, o método ajudou-me a optimizar horas preciosas.
No dia 24 de Agosto, cumpri a rotina do dito & amado Verão. Pelas dez da manhã, levantei-me, fiz a rápida higiene matinal (rosto, dentes, barba) e desci as escadas. Por misteriosa distracção, ou por confiança exagerada na minha capacidade de locomoção às escuras, prescindi de accionar o interruptor da luz daquele corredor descendente. Esquecido do saco colocado no antepenúltimo degrau, não o divisando em tempo útil, tropecei miseravelmente e caí de costas. Levei uns dois minutos a reerguer-me, dorido e confuso, gemendo lamentos e insultos à sorte.
Perdida a praia, coloquei gelo sobre a área magoada e, no entretanto do tratamento, liguei a televisão. Foi aí que soube, pelos vários canais de informação, de um dia terrível nas bolsas da Ásia, da Europa e dos Estados Unidos, com o valor das acções a cair de forma abrupta e torrencial. Um especialista financeiro conjecturava – salvo erro na Sic Notícias – sobre prováveis causas para o fenómeno. Lembro-me que referiu, logo a abrir o discurso, o abrandamento da economia chinesa. Mas acrescentou que estas situações resultam também de factores imponderáveis (que transformam em caos o que, há instantes, parecia harmonia e ordem) e, muitas vezes, de alguma confiança exagerada dos investidores.
Ouvi-o com moderado interesse, cheio de dores nas costas. Mas, com tantos locutores a falar de quedas - do Nasdaq, do Dow Jones ou do PSI 20 -, não deixei de notar o facto de a nossa existência doméstica ser, em boa verdade, uma vívida alegoria da política, das finanças e da vida em geral. (Alegoria – confirmar nos dicionários – é um encandeamento de metáforas.)


Coimbra, 27 de Agosto de 2015.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no jornal O Ribatejo, edição de 27-08-2015.]

Sem comentários: