Bolsa de Agosto
Passei
o mês de Agosto em Coimbra, minha pátria natal. Acumulo este prazer filial com
a praia, aqui a 40 quilómetros, pelo que muitas vezes viajei, nas últimas
semanas, até à Tocha. Apesar da felicidade das férias, nunca consigo estar
completamente em paz, tão profunda é a noção de que o tempo bom – mais do que o
mau – passa tão celeremente. Ganhei, aliás, o hábito de, a cada ida à praia,
trazer para casa uma concha, e de no seu interior inscrever a data da sua
recolha: faço por acreditar que ali guardarei essas horas amáveis na companhia
do mar.
Durante
o mês de Agosto, sinto ainda mais em mim essa urgência de existir que poetas e
emigrantes tão bem conhecem. Com a disciplina dos aflitos, habituei-me a deixar
preparado, a cada noite, no terceiro degrau do meu duplex coimbrinha, o saco da
praia: toalha, chinelos, peças de fruta, água, livro, caderno, esferográfica.
E, acreditai, o método ajudou-me a optimizar horas preciosas.
No
dia 24 de Agosto, cumpri a rotina do dito & amado Verão. Pelas dez da manhã,
levantei-me, fiz a rápida higiene matinal (rosto, dentes, barba) e desci as
escadas. Por misteriosa distracção, ou por confiança exagerada na minha
capacidade de locomoção às escuras, prescindi de accionar o interruptor da luz
daquele corredor descendente. Esquecido do saco colocado no antepenúltimo
degrau, não o divisando em tempo útil, tropecei miseravelmente e caí de costas.
Levei uns dois minutos a reerguer-me, dorido e confuso, gemendo lamentos e
insultos à sorte.
Perdida
a praia, coloquei gelo sobre a área magoada e, no entretanto do tratamento,
liguei a televisão. Foi aí que soube, pelos vários canais de informação, de um
dia terrível nas bolsas da Ásia, da Europa e dos Estados Unidos, com o valor
das acções a cair de forma abrupta e torrencial. Um especialista financeiro
conjecturava – salvo erro na Sic Notícias – sobre prováveis causas para o
fenómeno. Lembro-me que referiu, logo a abrir o discurso, o abrandamento da
economia chinesa. Mas acrescentou que estas situações resultam também de
factores imponderáveis (que transformam em caos o que, há instantes, parecia harmonia
e ordem) e, muitas vezes, de alguma confiança exagerada dos investidores.
Ouvi-o com moderado interesse, cheio de
dores nas costas. Mas, com tantos locutores a falar de quedas - do Nasdaq, do Dow
Jones ou do PSI 20 -, não deixei de notar o facto de a nossa existência
doméstica ser, em boa verdade, uma vívida alegoria da política, das finanças e
da vida em geral. (Alegoria – confirmar nos dicionários – é um encandeamento de
metáforas.)
Coimbra, 27 de Agosto de 2015.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no jornal O Ribatejo, edição de 27-08-2015.]
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