Sou
professor de Português e Francês na Escola pública. Cumpro programas,
planificações, horários, ordens. Não é sempre fácil nem gratificante. Mas a
minha missão vai secretamente além dessa cartilha: quero oferecer a cada aluno
o melhor da minha essencial humanidade. E gosto de pensar que, à minha maneira,
os ensino a olhar para o mundo e a vida. Não necessariamente a ver, porque isso
já não depende tanto de mim.
Há
trinta e um anos, a minha filha nasceu com a amável mania da curiosidade. É
essa, como se sabe, uma condição relativamente comum entre as crianças, ponto
de partida – aliás – para a obtenção de preciosos conhecimentos.
A
minha mulher e eu gostávamos muito de ver a miúda, aí pelos seus cinco-seis
anos, em seu ofício observador do mundo, atenta a pormenores de um rosto, de
uma rua, de um prédio, de um automóvel, do mar de Mira. Ela tinha o hábito de
franzir o nariz enquanto observava o que observava – e eu, encantado, achava-a
parecida com um coelho (de Lewis Carroll, atenção!, o das maravilhas
verdadeiras).
Aos
dez anos, o médico descobriu que a nossa filha sofria de miopia, razão (afinal)
para aquela careta engraçada no durante de suas aventuras olhadoras: a menina
semicerrava os olhos e franzia o narizito apenas porque queria fixar-se nos
pormenores a ver.
Lembro-me
de ela, já com óculos, ficar extasiada perante aquela festa de cor e vida que
era um jardim próximo de nossa casa. E de se ter saído com qualquer coisa deste
género: - Ó pá, agora percebo como vocês viam! É tudo tão claro e tão bonito!
Coimbra, 01 de Setembro de 2015.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no jornal O Ribatejo, na edição de 03-08-2015.]
Sem comentários:
Enviar um comentário