Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sábado, 18 de agosto de 2012

Praia da Fatalidade


Era uma vez um homem vindo das montanhas. Na sua terra, só havia pastorícia e quase nada de agricultura. Ele lavrava os campos e criava algum gado. Na praia, encontrou o neto de um agricultor que há muitos anos chegara ali. Reconheceu nele traços de si próprio e dirigiu-se-lhe.
- Moço, você já ouviu falar de Belrio?
- Belrio do Monte? – perguntou o jovem pescador.
- Esse mesmo.
- Você é de lá?
- Sou.
- A minha família também, do lado do meu pai.
- Como se chama o seu pai?
- Manuel Graça. Conhece-o?
- Conheci um António Graça.
- É o nome do meu avô.
- Sim? Também é o nome de meu pai. Manuel António Graça.
- Não me diga que você é irmão do meu pai… Meu tio, portanto…
- Nunca conheci o seu pai. Que é meu irmão, talvez, admito…
- Não percebo.
- Aconteceu tudo há muito tempo. Eu sei que o meu pai veio para aqui e constituiu uma nova família… Tomou-se de amores por uma professora loira chamada Amélia.
- A minha avó...
- Certamente.
- E você veio procurar o meu avô?
- Sim.
- Pois o meu avô já faleceu. E o meu pai… O meu pai…
- O seu pai o quê?
- Está na prisão.
- Na prisão?
- Sim. Matou o meu avô.
Houve um curto silêncio na praia. Depois o homem disse:
- Eu sabia.
O jovem pescador pôs-se então a olhar para o forasteiro sem perceber o que raio estava sugerindo. E o homem chegado das montanhas frias olhou para o chão enquanto se explicava:
- Ouça. Eu sonhei que o meu pai estava em perigo. Larguei a família, a terra, o gado e vim por aí abaixo para o salvar se pudesse. No sonho, chegava tarde de mais. Como agora…
- E no sonho... No sonho percebia-se a razão do crime que meu pai praticou?
- Não vale a pena falar nisso. Desejo-lhe boa sorte, moço. Vou voltar para a minha terra.
- Mas eu gostava de saber, senhor. O porquê... Meu pai não nos diz.
- É melhor assim… adeus.
E partiu, resistindo aos braços e às palavras do rapaz.
Pelo caminho até à paragem das camionetas, passou por uma formosíssima mulher loira, vestida de branco, que olhou para si como se o reconhecesse.
"Também loira, esta", pensou. 
Ele sabia pelo sonho que esta dama se chamava Isabel e que ela chorara um oceano pelo sogro morto e outro oceano pelo marido preso. Um homem morrera e outro estava na prisão devido àquela beleza maior de todas. Bastava mirar a mulher para se perceber a inevitabilidade da tragédia.
No sonho, ela ia à praia despedir-se do filho e depois desaparecia.

Coimbra, 18 de Agosto de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (foto de Gwyneth Paltrow) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.veja.abril.com.]

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