Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Quadra para o meu colega Sebastião da Gama


Tão cedo deveio perdida
A vida que sonhei ter.
Tão cedo deveio havida
Em mim a vida a haver.

Ribeira de Pena, 30 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.astormentas.com.]

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Ainda outras notas setembrinas


1. Sofro de uma hipocondria digna de Woody Allen. Quando, na televisão, algum locutor ameaça com documentários ou entrevistas sobre doenças fatais, apresso-me a zappar e, como uma avestruz assustada, enfio a cabeça no território aconchegante do Não Quero Saber. A mortalidade incomoda-me como um furúnculo. A cada passo, sinto sangrar as virilhas da alma. Ainda por cima, a minha Mãe anda frágil como uma flor de vaso.

1.1. Entre outros desconfortos, há essa certeza de que a minha literatura cairá no rio Letes de contemporâneos e vindouros. De modo que, convenhamos, ando para aqui a escrever para nada... (Por outro lado, reparo, alguns dos mais belos cantos d'aves não duraram senão primaveras breves. Coincidiram, em determinado instante, as criaturas canoras e a minha atenção - e foi quanto bastou para haver beleza. Escrevo para agora.)

2. No meu tempo de jogador iniciado-juvenil-júnior do União de Coimnbra, acontecia muito recebermos colegas vindos da Académica. Causava-nos espanto o facto de tão excelentes jogadores serem dispensados pelos doutos treinadores e directores do clube rival. Murmurava-se que, à época, contavam mais as cunhas do que o talento futebolístico: portanto, ficavam no clube dos doutores, a ser verdadeira essa "lógica", os filhos dos dire(c)tores, os sobrinhos e conhecidos de fidalgos coimbrinhas, etc. A verdade é que, no meu tempo, o União ganhava muitas vezes à Académica nas camadas jovens.

2.1. Alguma coisa terá mudado, entretanto. O meu sobrinho António começou, há duas semanas, a jogar na equipa de iniciados da Associação Académica de Coimbra. Ficou "lá" porque tem valor; ora, isso é bom para o seu currículo e para o currículo do seu novo clube.

3. O meu pai era, como eu, do União (do "Ónião"). Alguns clientes da oficina metiam-se com ele e lançavam-lhe provocações:
- Ó senhor José, os adeptos do União são uns bebedolas...
O meu pai não se desfazia:
- Em geral, gostamos todos de copos, senhor doutor. Mas no União tanto faz cerveja como vinho ou outras bebidas caras. Os da Académica é que exigem uísque para a bebedeira. Mas vem tudo dar ao mesmo...

4. Ando a reler, desde ontem, Persuasão, de Jane Austen. Confirmo esta ideia: há romances que valem pela sua qualidade literária; e outros que, embora mais fracotes de um ponto de vista linguístico e poético, valem pela sua competência estético-comunicacional. Como explicou Barthes em O Prazer do Texto, há diferentes modos de amor e de volúpia. Na vida como na literatura.

Ribeira de Pena, 28 de setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (rosto de Jane Austen) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.armonte.wordpress.com.]

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Plot de Deus


"Life happens while we're making other plans."
(John Lennon, citação recolhida há uns trinta e quatro anos, nas Selecções Redader's Digest, num consultório de dentista.)
Um dos maiores problemas da vida é ela tratar-se de uma narrativa que prescinde, quase sempre, do nosso contributo demiúrgico. Sucede simplesmente, à revelia da nossa vontade, dos nossos planos. Algumas, poucas vezes, as circunstâncias são coincidentes com o nosso desejo íntimo (até com pulsões insuspeitas que eram, sem que o soubéssemos, caminhos de felicidade). Mas isto é raro.
Personagem secundária do mundo, pois. Em tantas ocasiões, personagem secundária de mim próprio.
A narrativa é, digamos assim, Deus. E os Seus argumentos são insondáveis.

Ribeira de Pena, 27 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.modosuavedeescrever.blogspot.com]

Outras notas setembrinas


Dia atribulado, a segunda-feira. Pelas sete da manhã, o telemóvel avisa-me da indisposição da frágil mãe, há sinos a rebate no meu coração, saio panicamente para a fria manhã. Medo, pois.
A mãe melhora. O T, a F e eu, crias serôdias, ainda tememos, mas suspendemos a mortalidade por enquanto.
Regresso a minha casa a tempo de levar a VL, outro lado do Tempo, ao seu emprego. Aproveito ainda alguns minutos para banho e barba, recolho fa(c)turas para pagar e, just in case, levo os testes de Língua Portuguesa e Francês que me falta corrigir.
Na estrada, há o espe(c)táculo da vida urbana sucedendo com o habitual vigor. Gosto desta dinâmica de caos, mas rapidamente me canso e a recuso. Repugna-me já a fauna (inextinguível) dos maus condutores, dos auto-porcos que deitam papéis pela janela dos carros, ou dos porco-pedonais que conspurcam com escarros e maços de tabaco as ruas dos outros, e também a fauna (ou flora?) de arrumadores de carros, cheios de uma inexplicável agressividade.
Na rádio, retenho notícias repetidas de ontem, de sempre. A senhora Merkel quer castigar (mais) os países da zona euro que têm dívida excessiva, retirando-lhes até parte (?) da sua soberania política. Questão: quem ganhou, vistas as coisas d'aqui, a segunda guerra mundial, quem foi?
A dívida da Madeira é, segundo ouço, semelhante à que o Estado português pagou pelos desmandos do BPN. Até na porcaria, portanto, há patamares de nível e decência: o estrume deixado pelos vigaristas da banca cheira, creio eu, ainda pior que o da ilha... [Num caso como noutro, contudo, não se vislumbram castigos ou remédio.]
A propósito ou despropósito de tudo Isto, leio uma afirmação de D. José Policarpo, cardeal patriarca de Lisboa: "Quem entra na política não sai de mãos limpas."
Amen, talvez.

Coimbra, 26 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.antral.pt.]

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A distribuição da riqueza


O JN de ontem recordava, em tabela muito ilustrativa, segundo dados do Eurostat, a situação da Madeira face à Europa e ao todo nacional em termos de nível de vida. Transcrevo-a:

Portugal - 78% (comparativamente à média europeia)
Região Norte - 60%
Região Centro - 64%
Lisboa - 109 %
Alentejo - 72%
Algarve - 86%
Açores - 73%
Madeira - 103%

Vista a coisa em abstra(c)to, a nenhum português deve provocar inveja esta espécie de superior bem-estar de madeirenses (ou de lisboetas).
Contudo, vale a pensa pensar no facto de tanta miséria subsistir numa como noutra região. De modo que novamente se põe em questão o problema da desigual distribuição da riqueza. Da obscena concentração de bens e recursos na pança de meia dúzia em detrimento de tantos.
Os partidos também se poderiam distinguir uns dos outros no tratamento político destas matérias. E uma Igreja digna do seu (presumível) estatuto ético-moral deveria considerar insuportável que as coisas permaneçam asssim...

Ribeira de Pena, 22 de setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.midiaindependente.org.]

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Em dia


Tonou-se um clichê esta ideia muito cara aos orientais e, por essa via, a Hermann Hesse: de vez em quando, é preciso parar para pensar.
A falta de um espaço para o oxigénio da serenidade, da contemplação e da reflexão tende a notar-se. Na lufa-lufa dos dias, a Besta não raras vezes desperta em nós e, à nossa roda, degrada-se ambiente, ar, vida.
Precisamos de um cantinho de paz, que ciclicamente nos devolva a santidade de que - também - somos feitos.
Uma tia (ou avó?) de Cristóvão de Aguiar, citada pelo autor no magnífico livro Relação de Bordo (1.º volume), fala dessa utilidade de, com pontualidade cristã, se rezar. (Por ser esse, esclareço, o seu pessoal modo de recolhimento.) A senhora, micaelense antiga, dizia aos seus que, cumprido o dever auto-imposto da oração, ficava sempre com "a alma em dia".
Voilà! Cabe-nos isso mesmo a todos: pôr a alma em dia, senhores.

Ribeira de Pena, 20 de setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (de S. Miguel) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.olhares.aeiou.pt.]

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Biografia das aves ausentes


As andorinhas chegam na primavera, reconstroem o ninho que é há anos vizinho do quarto da VL, procriam, educam, cantam, trabalham, e saem de nós quando o verão anunciadamente falece. Durante os meses seguintes, o ninho é um mínimo monumento às ausências e à saudade do sol.
Creio que toda a literatura cabe nessa biografia de aves. Do quarto da minha filha, portanto, vê-se Deus, a poesia e a vida em geral.

Ribeira de Pena, 18 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.olhares.aeiou.pt.]

História da galinha dos ovos de ouro contada ao dr. Alberto João


A crise da dívida na Madeira radica na (talvez surpreendente) incultura literária do dr. Alberto João Jardim. De facto, as circunstâncias demonstram à saciedade que o governante nunca chegou a ler a história da galinha dos ovos de ouro. E, se a leu, não chegou a compreender bem a “moral”.

Ribeira de Pena, 18 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.diariodomearim.blogspot.com.]

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Notas setembrinas


1. Os juros que os gregos pagam, nesse inferno chamado - ironia divina - "dívida soberana", atingem os 50%, qualquer coisa como 45% mais do que pagam os alemães.
Ora, diz-se dos mercados que há neles uma (invisível) lei que sempre conduz à Razão. Haverá mesmo?

2. O alemão Gunther Oettinger, Comissário europeu para a Energia, defendeu que os países incumpridores como Grécia, Irlanda e Portugal, deveriam ter, no quintalinho da UE, as respectivas bandeiras a meia haste. "Para se motivarem", explicou.
Como eufemismo para o fim da Europa, o enunciado parece-me, ainda assim, fracote porque falta ali subtileza e graça.

3. História para os vindouros: "Era uma vez, há muito tempo, a Europa moderna, mas depois chegou a realidade. Fim." Moral da história?
Não há, aqui, moral.

Ribeira de Pena, 12 de setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.essaseoutras.com.br.]

sábado, 10 de setembro de 2011

A(c)ta triste sobre o (des)Acordo


E mais se lamenta que entre Portugal e o Brasil não haja, ultimamente, uma verdadeira reciprocidade de contributos, situação visível, por exemplo, no fa(c)to de, por um lado, os portugueses haverem recebido Liedson e de o haverem devolvido ainda melhor do que o receberam, cheio de talento e saúde (vide os dois golos que, há dias, marcou ao Flamengo), e de, por outro lado, os brasileiros haverem recebido a Língua Portuguesa e de, mais tarde, no-la terem devolvido sob a lamentável forma de Acordo Ortográfico. De acordo com os cidadãos reunidos no Auditório do meu coração, este comportamento não é o mais digno entre verdadeiros irmãos.
E nada mais havendo, por ora, a acrescentar, etc., etc.

PS: Esta rábula é isso mesmo - uma rábula. Sei bem que os principais responsáveis por esta triste evolução são alguns académicos e políticos portugueses, mais preocupados com as respe(c)tivas carreiras do que com a Língua propriamente dita.

Ribeira de Pena, 10 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

domingo, 4 de setembro de 2011

Despedida (com chuviscos)


De minha casa vejo falecer
O Verão amado, a liberdade.
Regressa a guilhotina do dever -
Adeus ó minha mãe, adeus cidade.

Ah, pudesse eu para sempre ter
Comigo um terno eterno Estio!
Ai quem me dera, amor, de novo ser
Dos meus dias dono e senhorio!

Coimbra, 04 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.fabel.blogspot.com.]

sábado, 3 de setembro de 2011

Colegas (des)contratados


Alguns dos melhores professores que tenho conhecido são "contratados". Essa evidência não me conduz à irresponsável (precipitada, bruta) conclusão de que se deva facilmente despedir "efectivos" para os substituir pelos novos; mas defendo a necessidade de, por um lado, não enganar os jovens candidatos à docência com promessas de empregabilidade mentirosas - e de, por outro, canalizar esta gente cheia de energia e de (legítima) vontade de trabalhar para lugares e funções úteis para o país.
Bem sei que a situação económica obriga a constrangimentos cínicos. Bem sei que a taxa de natalidade tem dominuído e que isso, mais tarde ou mais cedo, se tinha de fazer sentir no mercado de trabalho. Mas há ainda muito, tanto por fazer!
Por exemplo, não se percebe por que motivo, depois do concurso, há ainda cerca de quinze mil lugares por preencher; terá sido para roubar quinze dias de vencimento aos desgraçados por colocar?
Por exemplo: como se admite que, na formação ou em estabelecimentos de ensino privado, haja ainda quem acumule com outros empregos?
Etc.
Sei de colegas que deram o melhor de si pela profissão e que, entretanto, embriagados pelo optimismo mentiroso de sucessivos governos, se atreveram a constituir família, a comprar casa e carro, a ter filhos - e agora desesperam por umas migalhas para fazer face aos compromissos.
É um tempo muito triste, este que vivemos. Trata-se de um Presente que se vai parecendo, cada vez mais, com os piores Passados.

Coimbra, 02 cde Setembro de 2011.
Joaqui Jorge Carvalho

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

27


Há vinte e sete anos, o Sporting veio a Coimbra ganhar à Académica por 5-1. Nesse mesmo dia (um Domingo lindo lindo), a minha mulher dava à luz a nossa filha, a VL.
Depois, ficou tudo mais complicado - para mim e para o Sporting. Mas, no meu caso, ficou tudo também muito mais rico.
O amor por um(a) filho(a) é a forma mais fascista e também mais verdadeira de amor. É um constante, profundo, eterno fogo que arde e que se vê e que se sente.
Pus o despertador para as 23h59m do dia 01 de Setembro e fui gloriosamente, graças a esse cuidado, o primeiro a fazer chegar ao seu telemóvel uma mensagem de parabéns. Rezava assim:
"Feliz aniversário,única filha única." (E assinei "Taxi Driver", uma piada só nossa).
Vinte e sete anos disto e não muda nada, senhores. Que a minha filha é única muitas vezes única.

Coimbra, 02 de setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto JJC]

Liberdade verdadeira


Costumo, no início de cada ano lectivo, exigir aos meus alunos que, nas nossas aulas, se sintam todos, sempre, à vontade. Depois, para moderar excessos indesejáveis, acrescento (normalmente sorrindo): “Desde que o professor se sinta também à vontade, claro. Ora, num ambiente sem respeito, compreendem, o professor não se sente à vontade.”
Revi-me, agora, na minha condição de professor e pessoa num belo poema de Cesariny (“Autoridade e Liberdade são uma e mesma coisa”, in As Mãos na Água e a Cabeça no Mar), que vos ofereço:

Autoridade é do que é autor.
Só a autoridade confere autoridade.
A autoridade não é uma quantidade.
Todo o homem é teatro de uma inexpugnável autoridade.
Aquele que julga ser possível autorizar ou desautorizar a autoridade de outrem não sabe no que se mete.
Liberdade.
A liberdade conhece-se pelo seu fulgor.
Quatro homens livres não são mais liberdade do que um só. Mas são mais reverbero no mesmo fulgor.
Trocar a liberdade em liberdades é a moda corrente do libertino.
Pode prender-se um homem e pô-lo a pão e água. Pode tirar-se-lhe o pão e não se lhe dar a água. Pode-se pô-lo a morrer, pendurado no ar, ou à dentada, com cães. Mas é impossível tirar-se-lhe seja que parte for da liberdade que ele é.
Ser-se livre é possuir-se a capacidade de lutar contra o que nos oprime. Quanto mais perseguido mais perigoso. Quanto mais livre mais capaz.
Do cadáver dum homem que morre livre pode sair acentuado mau cheiro – nunca sairá um escravo.
Autoridade e liberdade são uma e a mesma coisa.


Coimbra, 02 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem, de Salgueiro Maia (porque tem tudo a ver), foi colhida, com a devida vénia, em http://www.pt-br.facebook.com.]


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Fim sazonal


Morre, pois, o Verão, coisa tão pouca
(Falta tanto agora para o Verão…)
Atrela-se o Outono à minha boca
Teme o Inverno já meu coração.


Coimbra, 01 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.papeldeparede.etc.br.]

Mi(ni)stério


Os ministérios da educação sabem muito pouco do divino mistério da educação.

Coimbra, 01 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.paraprofessoresealunos.blogspot.com.]

Brilho precisa-se


Sou um ourives da chuva. Procuro, em cada gota caindo sobre o vidro da minha Nissan, uma faísca preciosa que me salve da mercearia de existir.

Coimbra, 01 de Setembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.photoshoptotal.com.]

Casais Monteiro


Adolfo Casais Monteiro é um nome muito interessante do modernismo português. Para além da sua própria qualidade como escritor e ensaísta, foi igualmente importante para o estudo e a consagração de, por exemplo, Fernando Pessoa.
Num poema intitulado “Aurora”, em que Casais Monteiro aduz especiosa explicação do ofício poético, há um verso que se tornou uma espécie de mármore da nossa linguagem colectiva: “Voo sem pássaro dentro”. O verso serviu, aliás, de título para um volume de poesia do autor, publicado em 1954. (Durante algum tempo, por razões que não consigo aduzir, estive convencido de que esse verso era de Cesariny – e já ousei até reinventá-lo, nesse pressuposto errado, em Desapontamentos dos Dias, mas aí colocando o “pássaro” bem no interior do seu exercício voador.]
Pus-me à procura deste poema “Aurora”, no tão utilitário Google, por tanto me apetecer trazê-lo ao meu (nosso) “Muito Mar”. Ei-lo:

Aurora

a poesia não é voz - é uma inflexão.
dizer, diz tudo a prosa. no verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. no verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
e aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:

voo sem pássaro dentro.


Viva Casais Monteiro.

Coimbra, 31 de Agosto de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://produto.mercadolivre.com.]