Com o prestígio, veio a vaidade. O Jota começou a guardar a bola só para si, a regatear esforços na recuperação defensiva, a exigir privilégios especiais (marcando os cantos e os livres indiretos), a exibir mesmo trejeitos de vedeta cinematográfica.
Às tantas, o próprio treinador, seu amigo verdadeiro, viu-se obrigado a corrigir-lhe o posicionamento tático e a displicência competitiva. Foi a uma quinta-feira, e o Jota reagiu aos reparos com arrogância:
- Bolas! Só me vê a mim?!
O treinador chamou-o à parte e afiançou-lhe, gravemente:
- Eu só chamo à atenção jogadores que ainda não saibam tudo sobre o jogo e tenham a possibilidade de melhorar. Quando eu achar que já sabes tudo ou que não conseguirás melhorar, deixo de te aborrecer. Compreendes?
O rapaz ficou em silêncio, remoendo as palavras como um medicamento. Depois, cumpriu a ordem de correr à volta do campo durante uma hora, enquanto os outros jogadores se divertiam no treino de conjunto, divididos em duas equipas.
Uns vinte anos depois, durante uma aula de Português, o professor Jota lembrou a um aluno a necessidade de melhorar a sua atitude face à escola. À interpelação do director de turma, o discente reagiu assim:
- Bolas! Só me vê a mim?!
E o docente transmitiu-lhe a lição do mister Raul Pinho, concluindo:
- Se eu deixar de te aborrecer, é sinal de que já és perfeito, ou então de que não vale a pena tentar melhorar-te porque não serves para mais.
O aluno focou em silêncio. Sabei que o silêncio é, às vezes, a banda sonora da aprendizagem.
Ribeira de Pena, 08 de Janeiro de 2019.
Joaquim Jorge Carvalho
[Na imagem, foto do autor, então capitão dos juniores do União de Coimbra e já recuperado da vaidade supra-narrada.]
2 comentários:
A sabedoria quase sempre chega com a idade. O diabo é que os jovens podem mas ainda não sabem, e os mais velhos sabem mas já não podem. Li isto em qualquer sítio… Um abraço, professor J!
Faz muito sentido o que dizes - embora não se nos aplique, modéstia à parte, certo?
Abraço, Amigo!
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