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Número de Ondas

sábado, 4 de junho de 2016

ZONA DE PERECÍVEIS (41)

A poesia serve para quê?


Estive, há dias, em duas escolas de Anadia, a convite de uma querida Amiga, para falar de poesia. A minha comunicação, destinada a alunos do 7.º ano de escolaridade, intitulou-se “A poesia serve para quê?” e procurou, como retoricamente se adivinhará, equacionar o interesse e a utilidade do texto poético. 
Falei-lhes de linguagem (capacidade eminentemente humana de comunicar), de língua (código, sistema de signos), de fala (mar onde desaguam os dois conceitos anteriores, i.e., uso competente e eficaz das palavras). Disse-lhes que, como os computadores, o nosso cérebro apre(e)nde, todos os dias, novos vocábulos, e que os vocábulos servem para diferentes níveis de comunicação verbal: um imediato, feito sobretudo de informação utilitária, de fins essencialmente práticos; outro mais complexo e misterioso, que envolve a expressão profunda de ideias e emoções e a concomitante percepção, por quem escreve e por quem lê, de instantes de absoluta Beleza e de absoluta Verdade. 
Expliquei-lhes, com exemplos, que a Língua com que adquirimos batatas é, no fundo, a mesma com que dizemos o amor, as angústias, a esperança, os medos, os sonhos, a urgência de ser feliz. E lembrei-lhes que só o uso competente, sábio, estético do idioma alcança os patamares de sentido que sobem (ou descem) realmente ao caroço das coisas. 
Através de um pequeno jogo leitor, que pôs a dialogar um pequeno texto narrativo com apontamentos (em verso) sobre a acção relatada, o público percebeu o alcance - a utilidade, o interesse - da poesia enquanto linguagem capaz de dizer segredos d’alma, discursos que vão além (ou aquém) da casca vulgar dos dias. 
Recordei, uma vez mais, aquela espécie de refrão que amiúde ouvimos nos telejornais, quando as pessoas, em paroxismos de infelicidade ou nos píncaros da alegria mais pura, confessam a dificuldade de descrever o que sentem e dizem: ”Não há palavras!”. Assegurei-lhes que há, sim, palavras, mas que têm de ser especiais, originais, profundas, condignamente carregadas de emoção e de beleza. 
No final da sessão, uma menina pediu à sua professora que a levasse à minha presença. Para – disse-mo depois – me cumprimentar e me agradecer a sessão. E eu, que sou pobre em quase tudo menos em livros e gente querida, respondi-lhe ali com a máxima espontaneidade: “Eu é que agradeço.”


Ribeira de Pena, 31 de Maio de 2016. 
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 02-06-2016.]

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