Da mesa da cozinha vê-se a orografia ainda outonal que o calendário previa: uma montanha algo desgrenhada, com franjas verdes-castanhas-negras-amarelas e um fio de nuvem no topo escapando-se rumo ao céu. A totalidade vista parece-me um segmento de pintura triste, como se o artista houvesse aqui retratado alguma coisa outra que, não se vendo, também existe e é mais forte.
Assim eu. Por dentro do cansaço, escondido das olheiras, anterior ao frio, mais cavernoso que a teimosa tosse, há este outono interior que tenho sido desde menino.
Dou por mim a fazer riscos no papel. Como um militar involuntariamente na guerra africana ou um injustiçado prisioneiro de longa duração, conto os dias que faltam, no calendário, para a liberdade. Isto é, para o sol.
Este governo deles, esta gripe minha, estes ignorantes e estes fanáticos com poder; a falta de literatura nas conversas dos Cafés; o Sporting a cair para um abismo qualquer; o tempo esboroando-se ante o meu reumatismo mental – é tudo uma forma de outono, quase inverno. Que há-de um homem fazer senão resistir, esperar, ir estando, estar sendo?
Leio (por exemplo) Martin Amis, cubro-me de roupa, aqueço água para a botija, bebo o chá da MP e degusto torradas, distraio-me com uma série cómica, falo brevemente com a VL e a minha Mãe, escrevo (pouco, quase nada). A montanha escurece, o sino da igreja toca, o dia passa.
Faltam 140 dias para a primavera. Faltam 263 dias para o verão.
Ribeira de Pena, 10 de Novembro de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.cssernancelhe2.com.]
2 comentários:
E faltam algumas, poucas, horas até eu voltar aqui e me deliciar com a tua escrita.
São perspetivas...
RGC
Obrigado, querida Amiga!
Beijinho & saudades.
JJC
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