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Número de Ondas

sábado, 20 de outubro de 2012

Tributo (triste) a Manuel António Pina

Manuel António Pina é um dos grandes poetas contemporâneos da língua portuguesa. Mais: enquanto criador de uma escrita tão lúcida-original-inteligente-bela, trata-se de um dos grandes escritores de sempre, pelo menos segundo a bitola da minha própria experiência leitora e do meu coração.
Bem sei, quando morre alguém de valor notório, não obstante os eventuais ódios rasteiros que andam à roda de toda a gente (importante ou não), é comum abrir-se logo a torneira dos clichês: saudades muitas, imortalidade garantida, perda irreparável. Pois bem, senhores, também os clichês podem ser verdades profundas.
Creio que Pina foi um destes raros casos que sucedem na cultura de aparecer um autor que trabalha e simultaneamente refresca-enriquece-aumenta a língua utilizada como barro da (sua, pessoal) arte literária.
Nos últimos dez anos, tenho devotadamente lido e divulgado a poesia deste singularíssimo escritor que, a par de Ruy Belo e de Daniel Abrunheiro, me parece o que de mais interessante aconteceu na poesia do meu tempo. O autor de Nenhuma palavra e nenhuma lembrança conseguiu o milagre de abrir as portas dos seus versos à música e às palavras dos dias reais. A realidade vê-se melhor ao ritmo dos seus poemas; a sua poesia incorpora ritmos e palavras da rua, sem que essa profanação voluntária e competente prejudique a sagrada formosura das composições poéticas. Os poemas de Pina são sempre uma novidade, mas – e eis o génio! – parece sempre tudo simples e natural ao ler e ao dizer.
Como bem escrever a grandeza e originalidade do poeta sem cair na poça e na lama de clichês?
Por mim, fico-me para já pela inscrição, aqui, deste singelo testemunho: muitos versos de Manuel António Pina iluminaram e mudaram a minha forma de compreender e dizer o mundo; de compreender e dizer a existência; de compreender e dizer o amor.
Não é isso, vo-lo juro, coisa pouca!

PS: O director do JN, Manuel Tavares, querendo homenagear o jornalista-escritor-camarada-amigo, decidiu que o espaço da coluna “Por outras palavras”, que Pina todos os dias assinava naquele jornal (na última página), ficará doravante em branco. É um tributo nobre; mas seria talvez mais bonito e mais útil que, nesse espaço, aparecesse a partir de agora, diariamente, um poema do mesmo autor. Decerto os herdeiros do poeta não se oporiam à ideia – e muitos, que de Manuel António Pina apenas conheciam as maravilhosas crónicas, teriam ensejo de conhecer também a sua poesia de primeiríssima água.

Ribeira de Pena, 20 de Outubro de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.osol.pt.]

4 comentários:

Paulo Pinto disse...

Associo-me à homenagem a essa grande figura da nossa cultura que acaba de desaparecer. A sugestão que fazes parece-me pertinente; porque não endereçá-la ao jornal?
Um abraço

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Vamos endereçá-la, então. Abraço!

Anónimo disse...

Assino por baixo a sugestão. Desde já assumindo, envergonhadamente, que sou uma pessoa que lê pouco, a coluna "Por outras palavras" era, no entanto, parte da minha leitura diária... parte da minha vida.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Abraço!