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domingo, 12 de dezembro de 2010

Mercado versus Sem-Abrigo


Falando, na televisão, do mercado de arrendamento, o primeiro-ministro de Portugal disse que o governo iria agilizar os processos de despejo de inquilinos com rendas em atraso.
Esta medida - garantiu - melhorará o mercado de arrendamento.
Contentinho da silva, aquele improvável socialista nada disse sobre o destino dos que, por incumprimento das suas obrigações com o mercado, seriam tão celeremente despejados.
A criatura tem na boca, na cabeça, nos tiques - a luzir como árvore de natal num salão de bombeiros - uma só palavra e um só conceito (no singular ou no plural): mercado, mercados; mercado, mercados; mercado, mercados.
E o povo, pá?
E a humanidade, pá?

Coimbra, 11 de Dezembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho

4 comentários:

Anónimo disse...

Sim,alguém estar a usar algo "às custas" de outros, é muito melhor...Se o seu patrão não lhe pagar o salário, quantos meses continuará a trabalhar para ele?

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Caro(a) Anónimo(a),

Obrigado pela sua visita.
Sobre o que comentou: o que me pareceu evidente, no exemplo de partida para o comentário, foi o paradigma do senhor primeiro-ministro. Não me pronunciei sobre os direitos dos senhorios - não porque os negue, mas porque preferi - deliberadamente - olhar para o problema pelo lado dos despejados. É um direito de quem observa a realidade, não concorda - escolher o ângulo por que encaramos/interpretamos o real?...
O paralelismo que estabelece entre os dividendos dos senhorios e os rendimentos do trabalho não se me afigura rigoroso, quer de um ponto vista da economia, quer de um ponto de vista ético.
Contudo, respeito a sua opinião, naturalmente.
Cumprimentos.
JJC

Paulo Pinto disse...

Caro JJ:
Cada caso é um caso, naturalmente. O inquilino é, em abstracto, a parte fraca, pois não pode ir para a rua viver, e sabemos como se avolumam as situações de desemprego e de insolvência que podem conduzir a situações dramáticas. O senhorio, em princípio, tem casa, e muitos vivem desafogadamente.
Mas eu tenho uma pessoa de família chegada, que recebe de reforma o equivalente ao salário mínimo e tem três famílias de inquilinos: uma no rés-do-chão da sua casa, que lhe paga pontualmente 20 euros mensais de renda, mas que tem casa própria muito melhor e só se mantém ali porque a casa arrendada está melhor situada. As outras duas famílias estão numa casa velha que essa minha familiar herdou dos pais já falecidos há muito, e que não pagam um tostão há mais de dois anos. Mas ela, senhoria, paga 900 euros de IMI todos os anos. O telhado está velho e há infiltrações, mas o custo das obras é proibitivo para quem tem baixos rendimentos. Anda doente e ansiosa, pensando que qualquer dia não pode pagar mais o IMI e fica com a casa penhorada. Tem os inquilinos em tribunal, mas o processo arrasta-se e está a pagar a um advogado. Alguns dos inquilinos riem-se dela na rua. A renda é de cerca de 100 euros cada família, mas não a pagam. Se agilizar significar pôr a justiça a trabalhar melhor e mais rapidamente, só vejo vantagens. O direito à habitação e à dignidade humana tem que estar sempre primeiro, estou de acordo. Mas não devemos ver a relação senhorio - inquilino como uma relação rico - pobre, ou forte - fraco, porque muitas vezes a realidade é bem diferente.
Um abraço.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Caro Paulo,

retenho do teu comentário o território em que fatalmente estamos de acordo: é importante (e é bom) pôr «a justiça a trabalhar melhor e mais rapidamente» e «O direito à habitação e à dignidade humana tem de estar em primeiro».
Ee qualquer modo, o meu comentário tinha mais a ver com o "paradigma" da visão socrática do que com inquilinos versus senhorios.
Eu também conheço gente que já se atrasou, uma ou duas vezes, no pagamento de rendas porque foi apanhada nas malhas do desemprego ou de salários em atraso.
Abraço.
JJC